Yascha Mounk

Cientista social, é professor associado na Universidade Johns Hopkins e autor de "O Povo contra a Democracia".

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Yascha Mounk
Descrição de chapéu jornalismo

O perigo das redes sociais (ou de tentar reformá-las)

É hora de apresentar uma defesa fervorosa da democracia liberal e de rejeitar os que se alimentam de nossas divisões

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Mais ou menos uma década atrás, quando comecei a dar um curso em Harvard sobre Democracia na Era Digital, o clima generalizado era de puro otimismo. Acadêmicos e jornalistas previam que a internet e as redes sociais conectariam o mundo, empoderariam os fracos e democratizariam o planeta.

Eu enxergava meu papel, na época, como sendo em grande parte mostrar aos estudantes que cada moeda tem dois lados. Eu temia que a internet também pudesse induzir pessoas comuns a reafirmar sua identidade ferranhamente, entregando ferramentas valiosas de bandeja a autocratas.

Como o mundo mudou desde então. Hoje o consenso dominante é mais ou menos o inverso exato do que era uma década atrás. A maioria dos acadêmicos e jornalistas hoje concorda que a internet e as redes sociais incitam vozes de ódio, empoderam extremistas e colocam a democracia em perigo. A litania cada vez mais familiar sobre os perigos das redes sociais anda de mãos dadas com um conjunto particular de ideias sobre como mitigar esse risco. A única maneira de salvar a democracia, argumentam muitos hoje, é proibir a desinformação e limitar a livre expressão.

Logo do Twitter, rede social que tem cada vez mais participação de políticos - Oliver Douliery -10.ago.20/AFP

Temo que o novo consenso acabe se revelando tão enganoso e míope quanto aquele cujo lugar assumiu. Pior ainda: hoje existe o perigo real de que medidas tomadas em nome de salvar a democracia das redes sociais acabem, na verdade, agravando os prejuízos causados a ela.

Os perigos colocados pelas redes sociais são reais.

As redes sociais estão alimentando a polarização política. A maioria dos grupos do mundo real é politicamente heterogênea, e a exposição a pessoas com uma gama de opiniões diferentes tende a exercer uma influência moderadora. Já no Twitter e no Facebook, muitas pessoas se cercam de outras que pensam como elas e então passam a se radicalizar ainda mais umas às outras. Quanto mais tempo os cidadãos passam em redes sociais, maior é a probabilidade de enxergarem adversários políticos como inimigos que eles precisam derrotar.

As redes sociais estão facilitando a ascensão de extremistas políticos. Algumas décadas atrás um conjunto estreito de “guardiões” controlava quem tinha a capacidade de alcançar uma plateia imensa. Os custos de criação de uma organização política eram muito altos. Hoje, qualquer pessoa que conte com algumas centenas de seguidores no Twitter ou no Facebook pode alcançar uma plateia de milhões com um post que viraliza. É muito mais fácil para pessoas de pensamento igual se unirem para defender uma causa política nova.

E, para concluir, as redes sociais estão colocando em descrédito muitas instituições do establishment, ao expor suas deficiências e falhas de longa data. No passado, apenas algumas poucas pessoas notavam quando um jornal incorria em um erro grave ou uma organização cometia um erro de conduta constrangedor. Hoje é muito maior a probabilidade de tais erros serem descobertos e discutidos.

Compreensivelmente, a confiança na mídia e na política, no mundo acadêmico e nas grandes empresas vem se enfraquecendo mais e mais.

Tudo isso exige uma resposta. Mas a resposta em torno da qual vêm se unindo rapidamente muitos importantes tomadores de opiniões —ou seja, entregar a algum misto de instituições políticas e chefes de empresas de mídia social o poder de excluir qualquer pessoa que enxerguem como extremista ou acusem de difundir “desinformação”— tem todas as chances de exacerbar o problema, não de aliviá-lo.

O perigo mais imediato é que discussões importantes sejam artificialmente restringidas e que hipóteses potencialmente verdadeiras sejam excluídas da esfera pública. Nos últimos 15 meses, por exemplo, cientistas renomados que defenderam uma teoria particular sobre a origem da Covid-19 foram tachados de teóricos conspiratórios e excluídos do YouTube e Facebook.

Agora, de repente, políticos seniores e veículos da grande imprensa estão levando seus argumentos a sério. Quer suas ideias acabem se revelando corretas ou não, todos nós deveríamos ficar indignados com o tratamento que lhes foi dado —e preocupados com o que isso pressagia para os debates sobre outros tópicos politicamente sensíveis.

A ascensão da censura “de facto” também tem grandes chances de erodir ainda mais a confiança na imparcialidade das instituições mais importantes da sociedade. Os partidários de praticamente todas as causas e direções políticas parecem pensar que as plataformas existentes de mídia social estão enviesadas contra eles. Diante dos mecanismos existentes para decidir quem é “autenticado” no Facebook ou no Twitter ou excluído dessas plataformas, isso não chega a surpreender.

lá fora

Receba toda quinta um resumo das principais notícias internacionais no seu email

Com muitas pessoas plenamente conscientes das decisões injustas que afetam seus aliados ideológicos, mas não daquelas que afetam seus adversários ideológicos, todos acabam pensando que as estruturas de poder existentes os prejudicam de maneira singular. E os resultados disso são preocupantes para todos nós.

Nada disso significa que as democracias estejam impotentes diante das redes sociais. Os países precisam tributar de maneira justa as empresas gigantes de tecnologia e implementar mais robustamente as leis que regem a concorrência. Plataformas de mídia social novas precisam ter a possibilidade de competir com as já existentes, e precisa haver portabilidade para os usuários do Twitter ou Facebook poderem transferir seus dados para a concorrência.

Mas a solução real não está nem nas modificações regulatórias necessárias a serem aprovadas por Parlamentos nem na submissão equivocada a um novo regime de censura que parte do Vale do Silício. Ela precisa vir de todos nós.

É hora de jornalistas e intelectuais apresentarmos uma defesa fervorosa dos valores da democracia liberal, de líderes institucionais ignorarem os empreendedores do conflito que dominam as redes sociais e de todos nós rejeitarmos e expormos aqueles que buscam se alimentar de nossas divisões.

Tradução de Clara Allain  

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.