Yascha Mounk

Cientista social, é professor associado na Universidade Johns Hopkins e autor de "O Povo contra a Democracia".

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Yascha Mounk
Descrição de chapéu União Europeia

Merkel nunca foi o derradeiro baluarte entreposto entre decência e barbárie

País não tem sido defensor tão ardente da democracia e dos direitos humanos quanto pensava a maioria dos observadores internacionais

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Houve alguns meses durante os dias mais tenebrosos da Presidência de Donald Trump em que Angela Merkel parecia a última adulta no palco mundial. Com os EUA governados por um extremista, o Reino Unido em caos, a Índia se encaminhando rapidamente para virar uma autocracia e a Rússia e a China cada vez mais repressivas, a primeira-ministra alemã era saudada por muitos como a “líder do mundo livre”.

Agora que Merkel está prestes a se aposentar, após 16 anos, sua imagem heroica está deixando muitas pessoas ansiosas sobre o que pode estar por vir. Será que a Alemanha vai se trumpificar? O papel do país como defensor da democracia no palco internacional pode virar coisa do passado?

A primeira-ministra da Alemanha, Angela Merkel, durante entrevista coletiva em Berlim
A primeira-ministra da Alemanha, Angela Merkel, durante entrevista coletiva em Berlim - Stefanie Loos - 9.set.21/AFP

Essas perguntas se baseiam em premissas falhas. Embora Merkel mereça ser elogiada por ser uma líder calma, constante e compassiva, ela nunca foi o derradeiro baluarte entreposto entre a decência e a barbárie. E, apesar de ela se preocupar genuinamente com os valores democráticos, a Alemanha sob sua liderança deixou de fazer frente a seus três maiores desafios.

O primeiro surgiu na esteira da Grande Recessão, quando países do sul da Europa entraram numa espiral perigosa de endividamento. Sob a liderança de Merkel, a União Europeia (UE) seguiu adiante aos trancos e barrancos enquanto gregos e espanhóis passaram por uma década de sofrimento econômico.

Com os problemas estruturais do euro ainda não resolvidos, é muito possível que o próximo desaquecimento econômico desencadeie uma reprise da mesma tragédia.

O segundo foi colocado com a ascensão de populistas autoritários no coração da Europa. Em vez de lutar por sanções significativas, Merkel vacilou e chegou a permitir que o partido do húngaro Viktor Orbán continuasse a integrar a facção democrata cristã no Parlamento Europeu.

Hoje, países como Polônia e Hungria podem proteger uns aos outros, vetando quaisquer medidas que pudessem frear retrocessos democráticos. Incapaz de conter os ditadores nascentes em seu meio, a UE deixou de ser um clube de democracias.

O terceiro desafio apareceu quando a guerra civil na Síria levou milhões de pessoas a buscar refúgio na Europa. As palavras de acolhida proferidas por Merkel lhe valeram admiradores em todo o mundo.

Na realidade, porém, a chanceler não demorou a fazer o que estava ao seu alcance para manter os refugiados a distância. Graças a uma série de acordos fechados com autocratas como o líder turco Recep Tayyip Erdogan, a Alemanha terceirizou o trabalho sujo de modo a deixar suas fronteiras impenetráveis.

Três candidatos agora disputam a sucessão. O católico de fala suave Armin Laschet, 60, da Renânia do Norte-Vestfália, representa os cristãos-democratas de Merkel. Olaf Scholz, 63, ex-prefeito de Hamburgo, lidera os sociais-democratas. Annalena Baerbock, 40, jovem legisladora de Hannover, chefia o Partido Verde.

No entanto, apesar das diferenças evidentes entre suas idades, biografias e origens ideológicas, todos os principais candidatos se posicionam, concretamente falando, como forças de continuidade.

Os três são liberais sociais e fiscalmente responsáveis. E prometem defender os direitos humanos. Por outro lado, não estão dispostos a gastar dinheiro suficiente com as Forças Armadas para fazer da Alemanha um ator sério no palco internacional. Em um debate recente, os moderados pareciam estar buscando desesperadamente algum sinal de diferença substancial de visão entre eles.

O resultado é uma campanha eleitoral ao mesmo tempo confusa e estranhamente entediante. Embora os eleitores tenham pouca ideia de quem será o próximo primeiro-ministro ou de que tipo de governo de coalizão poderá ser formado, parecem concordar que nada disso fará grande diferença, de qualquer maneira.

A boa notícia sobre a eleição alemã é que ela não mudará muito o país. A má notícia sobre a eleição alemã é a mesma: ela não mudará muito o país.

Sob Merkel, a Alemanha não tem sido uma defensora tão ardente da democracia e dos direitos humanos quanto pensava a maioria dos observadores internacionais. O país aprofundou seus laços econômicos com a China, seguiu adiante com um gasoduto defendido pelo Kremlin, empoderou autocratas nascentes na Europa Central e fechou acordos imorais com ditadores na Turquia.

Quer seu próximo premiê seja Laschet, Annalena ou Scholz, é provável que a mesma hipocrisia caracterize a Alemanha depois que Merkel sair de cena.

Tradução de Clara Allain

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