Yascha Mounk

Cientista social, é professor associado na Universidade Johns Hopkins e autor de "O Povo contra a Democracia".

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Yascha Mounk

Biden precisa ir além de discursos bonitos para ajudar democracias a perdurar

EUA se veem diante de escolha muito mais difícil do que presidente americano admitiu até agora

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​Desde o dia em que anunciou sua candidatura, Joe Biden enfatizou que sua missão era nada menos que salvar a democracia. "O triunfo da democracia e do liberalismo sobre o fascismo e a autocracia", escreveu ele, "criou o mundo livre". "Mas esse embate não apenas define nosso passado. Vai definir nosso futuro."

Para assegurar que as forças da liberdade vencessem, ele prometeu convocar uma cúpula global que tivesse o objetivo de "revitalizar o espírito e a meta comum das nações do mundo livre".

Será que Biden está no caminho certo para cumprir sua promessa de refrear autocratas, impedir democracias de retroceder e revitalizar o espírito democrático?

O presidente dos EUA, Joe Biden, durante evento em Washington
O presidente dos EUA, Joe Biden, durante evento em Washington - Mandel Ngan - 29.nov.21/AFP

Donald Trump, seu predecessor, reiteradas vezes expressou admiração por ditadores, desde o egípcio Abdel Fattah el Sissi até o líder russo Vladimir Putin. A mudança de discurso que Biden promoveu nesse front é clara e inequívoca. Não há mais motivos para o mundo questionar se a América está do lado da democracia ou da ditadura. A administração americana distanciou-se de líderes autocráticos de países como a Rússia e a Arábia Saudita. Mesmo quando trata das violações de direitos humanos cometidas pela China, a Casa Branca tem primado pela franqueza.

A administração também vem tomando algumas medidas importantes que transcendem o mero discurso.

Ela conservou algumas das políticas comerciais restritivas que a administração Trump adotou para conter a China. E fechou um importante pacto trilateral de segurança com Austrália e Reino Unido. De modo mais geral, porém, ainda está longe de claro se a gestão Biden vai acompanhar seu discurso contundente sobre autocratas com ações contundentes que sejam realmente capazes de conter esses líderes.

Por exemplo, a administração Biden desistiu, sem alarde, de fazer resistência ao controverso gasoduto Nordstream 2, que dará à Rússia mais influência sobre a Europa central. Ela tem se mostrado incapaz, até agora, de impedir Putin de intensificar suas ameaças à integridade territorial da Ucrânia ou de dissuadir Xi Jinping de lançar provocações sérias no estreito de Taiwan.

E, é claro, ela retirou as forças americanas do Afeganistão de maneira caótica e humilhante, deixando o Talibã no controle do país e levantando questões sérias sobre a disposição da América de apoiar seus parceiros estratégicos em um momento de necessidade.

A história é muito semelhante quando se trata de enfrentar a ascensão de líderes populistas autoritários. As palavras que vêm da Casa Branca passaram por uma transformação total. Mas, frequentemente demais, o discurso agradável não tem sido acompanhado de ações reais.

Esse problema está mais que evidente no planejamento da Cúpula da Democracia marcada para breve. A lista de países convidados, por exemplo, inclui líderes que estão fazendo muito para enfraquecer a democracia mundo afora. Jair Bolsonaro é um exemplo especialmente chocante. Mas, como está ao lado de líderes semelhantes, do indiano Narendra Modi ao filipino Rodrigo Duterte, Bolsonaro está longe de estar só. O quem é quem do populismo internacional será bem-vindo à Cúpula da Democracia.

E uma cúpula virtual, de dois dias de duração e com cem países participantes, dificilmente alcançará um consenso real ou adotará compromissos sólidos. Tudo indica que, em seu discurso à cúpula, Biden deve anunciar algumas iniciativas sensatas sobre tópicos como corrupção, mas não parece provável que ele defina um paradigma realmente inovador de como a comunidade internacional poderá cooperar para preservar a democracia. E onde os anfitriões não lideram, é pouco provável que os convidados sigam.

A área final na qual a administração até agora não cumpriu o que prometeu é aquela sobre a qual Biden tem o menor controle –mas pode também ser a mais importante. Ao caracterizar a eleição de 2020 como uma "batalha pela alma da nação", Biden esperava que uma vitória inequívoca sobre Trump representasse uma repreensão definitiva ao republicano.

Mas a vitória de Biden sobre Trump acabou mostrando ser muito mais condicional do que se esperava. Sua margem de vitória foi clara, mas não decisiva. Desde então, em vez de ser expulso do Partido Republicano, Trump apenas fortaleceu seu domínio sobre ele. Conseguiu até mesmo convencer milhões de americanos de que a vitória na eleição lhe foi roubada.

Enquanto a América continuar tão profundamente dividida quanto está hoje, nenhum líder do país, por mais bem-intencionado, deve inspirar um renascimento da fé global na democracia.

Biden teve razão quando disse que a democracia corre perigo em todo o mundo. Mas também está ficando claro que ele subestimou gravemente os obstáculos que impedem um presidente bem-intencionado de fazer qualquer coisa a esse respeito. Assim, ele fez promessas grandiosas demais sobre a contribuição que sua administração poderia fazer para respaldar a democracia.

A América se vê diante de uma escolha muito mais difícil do que Biden admitiu até agora. Se os líderes do país pretendem seriamente fazer algo significativo para ajudar democracias a perdurar numa era de autocracia em ascensão, precisam abraçar uma agenda ambiciosa muito além dos discursos bonitos.

Isso encerraria reveses sérios. Mesmo que chegue a ser tentado, pode não ter sucesso. Mas o mínimo que os líderes da América podem fazer é ser honestos com eles próprios, o país e o mundo. Se Biden decidiu que os passos necessários para fazer uma diferença real na luta entre "democracia e liberalismo" e "fascismo e autocracia" não justificam o custo, ele precisa adiantar-se e dizê-lo claramente.

Tradução de Clara Allain

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