Yascha Mounk

Cientista social, é professor associado na Universidade Johns Hopkins e autor de "O Povo contra a Democracia".

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Yascha Mounk
Descrição de chapéu Coronavírus

É hora de acabar com as restrições da pandemia nos EUA

Como fizeram nossos antepassados, devemos priorizar viver a vida em vez de minimizar a mortalidade

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Em março de 2020 escrevi que precisávamos "cancelar tudo" em resposta à ameaça aguda da Covid-19. Eventos com grande número de pessoas deviam ser adiados, empresas deviam mandar seus funcionários trabalharem de casa e escolas deviam dar aulas online.

Ainda estou convencido de que foi a coisa certa a fazer. Antes de qualquer vacina e antes de contarmos com tratamentos eficazes contra a doença, essas medidas eram necessárias para salvar vidas e evitar o colapso do sistema de saúde.

Crianças retornam às aulas em uma escola de Louisville, no estado americano do Kentucky
Crianças retornam às aulas em uma escola de Louisville, no estado americano do Kentucky - Jon Cherry - 24.jan.22 /Getty Images/AFP

Hoje, quase dois anos mais tarde, finalmente dispomos das ferramentas para poder conviver com o vírus. Há vacinas altamente eficazes disponíveis gratuitamente para quem opta por fazer uso delas. O risco representado pela Covid caiu drasticamente para os plenamente imunizados. Entre outubro e novembro de 2021, 7,8 em cada 100 mil americanos não vacinados morreram de Covid a cada semana, segundo o CDC. Nesse mesmo período, 0,6 em cada 100 mil americanos vacinados morreram da doença a cada semana. Entre os que também haviam tomado a dose de reforço, apenas 0,1 em cada 100 mil morreram.

Hoje também temos medicamentos antivirais que, conforme ensaios clínicos, reduzem em quase 90% as hospitalizações ou mortes por Covid. Embora tenham sido aprovados tarde demais para estarem disponíveis para a maioria dos pacientes durante a explosão da variante ômicron, devem em breve tornar-se uma ferramenta altamente eficaz e amplamente à mão.

Nesse ponto, uma porcentagem muito importante da população também já adquiriu algum grau de imunidade natural. À medida que a onda de ômicron começa a recuar, a combinação de vacinas, defesas naturais e medicamentos eficazes contra a doença reduz significativamente o perigo de os departamentos de emergências dos hospitais ficarem sobrecarregados no futuro próximo.

Aqueles que se recusam a se imunizar permanecem vulneráveis. Mas nossa atitude atual em relação a eles faz pouco sentido. Os não vacinados são sujeitos a pressões imensas e indignação moral. Governos e instituições privadas estão fazendo o que está ao seu alcance para dificultar seu dia a dia. Muitos chegam a se alegrar abertamente com o sofrimento alheio quando pessoas antivacinas morrem de Covid. Isso é errado. Devemos sentir compaixão por todas as vítimas dessa pandemia, seja qual for o risco que possam ter optado por correr.

Ao mesmo tempo, os não vacinados são implicitamente a principal justificativa das restrições que ainda continuam. Aqueles que querem mantê-las apontam para a mortalidade persistentemente alta decorrente da Covid, e esses óbitos se concentram especialmente entre os não vacinados. Também isso é um erro. Não precisamos viver nossas vidas em compasso de espera por tempo indeterminado pelo fato de outros terem decidido colocar a própria vida em risco.

Os imunossuprimidos e os idosos continuam a correr risco importante, não por culpa própria. Mesmo pessoas jovens e saudáveis podem ter sintomas, como uma fadiga persistente, por muito tempo depois de se recuperarem de uma infecção por Covid.

É um fato trágico que a propagação mundial do coronavírus provavelmente vai continuar a produzir sofrimento grave por anos ainda, mas isso não é razão suficiente para modificar nossa sociedade permanentemente de maneiras que a tornam menos livre, sociável e alegre.

Assim como nos dispomos a correr riscos calculados em outras áreas da vida, devemos nos dispor a tolerar algum risco de doenças contagiosas. Quando você parte numa travessia do país de carro, sabe que pode sofrer um acidente. Existe o risco de você se ferir, do outro motorista se machucar ou mesmo de uma criança que estiver atravessando a rua ser atingida. Mas isso não o obriga moralmente a passar o resto da vida sem sair de casa.

O risco decorrente de bactérias e vírus ainda é muito menor hoje do que foi ao longo da maior parte da história humana. Em 1900, quase 1% da população morria de doenças infecciosas a cada ano, mais ou menos uma ordem de magnitude mais que hoje. No entanto, as pessoas expostas a esses perigos optavam por viver uma vida social plena, julgando que o risco de pestilência, por grave que fosse, não justificava que abrissem mão da necessidade de contato humano.

Se ninguém saísse a um restaurante ou promovesse uma festa nunca mais, reduziríamos a transmissão de Covid, assim como a de muitas outras doenças infecciosas. Mas a cura seria pior que o mal. Como fizeram nossos antepassados, devemos priorizar viver a vida em vez de minimizar a mortalidade.

Isso significa encerrar o purgatório pandêmico que estamos vivendo. Envolveria acabar com as restrições remanescentes impostas pelos governos sobre as atividades cotidianas. Acabaríamos com medidas meramente performativas. Políticos e autoridades de saúde pública transmitiriam a mensagem de que as pessoas não devem mais limitar atividades sociais, encorajando-as a voltar a participar de jantares e levar seus filhos para brincar com amigos, sem sentimento de culpa. E todos procuraríamos viver o mais normalmente possível.

No início da pandemia, demoramos demais para nos adaptar à mudança nas circunstâncias. Agora que o risco que a Covid representa à sociedade está muito menor do que em qualquer ponto dos últimos dois anos, mais uma vez corremos o risco de prolongar o status quo por mais tempo do que é justificável.

É hora de reabrir tudo.

Tradução de Clara Allain

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