Zeca Camargo

Jornalista e apresentador, autor de “A Fantástica Volta ao Mundo”.

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Zeca Camargo

No Rio, eu sou o morador local com quem o turista quer conversar

Caminhando pelo calçadão de Copacabana, senti que os papéis estavam invertidos

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Calçadão de Copacabana, em época de Carnaval. Como clichê de turismo, difícil imaginar uma cena mais perfeita. No entanto eu caminhava deslocado dela: saí de uma entrevista para uma biografia que estou escrevendo e resolvi ir até o novo Museu da Imagem e do Som do Rio --um pouco para contemplar sua beleza (mesmo inacabada) e um pouco para saber se eu podia ter a esperança de vê-lo finalizado em breve, conforme as mudanças que eu pudesse perceber na obra.

Esse verão carioca está inesperadamente fresco --e no começo da noite, então, um convite para um passeio à beira-mar é irrecusável. Ia sozinho, satisfeito com o encontro que acabara de ter e sem pressa de chegar ao meu destino. Minha maior preocupação era pegar um táxi depois de conferir o progresso da fachada e dormir antes das 22h.

Como sempre acontece nesta época do ano, a cidade está carregada de turistas. Normal, uma vez que o Rio é um dos destinos mais visitados pelo próprio brasileiro. Mas na temporada carnavalesca são os estrangeiros que se sobressaem. E eles marcavam presença naquele calçadão: checavam desconfiados bijuterias pelas quais, tinham certeza, pagariam muito mais que o valor normal; decidiam que fundo realçaria mais o selfie para os amigos no seu país de origem; tomavam um chope que sabiam ser mais caro e mais genérico do que se estivessem em casa com a despreocupação de quem não quer pensar nisso enquanto está de férias; e olhavam para mim como que perguntando como seria morar numa cidade dessas. Eu sei bem como é isso...

Não estou falando do batido (e divertido) #eumoroondevocepassaferias, mas de algo mais profundo. Quando chego em algum lugar, a primeira brincadeira que faço comigo mesmo é imaginar como seria viver ali. Lembro-me de várias situações assim: olhando por portas entreabertas que revelam um pouco dos pátios internos das casas de Sevilha, na Espanha; espiando no fundo das salas escancaradas às margens dos canais do mercado flutuante de Amphawa, na Tailândia; tomando um iogurte azedo num "yurt", tenda típica dos desertos da Mongólia; admirando os corpos lânguidos e pesados esparramados num fim de tarde nas barracas de palha de Funafuti, a maior ilha de Tuvalu; rasgando o olhar pelas janelas iluminadas por velas no caminho da "moto de neve" em Alta, Noruega.

Faço questão de me projetar nesses cenários com a seguinte questão: será que eu gostaria de viver aqui ou só passar para uma visita? Pergunto isso com olhar nas ruas por onde passo e às vezes até acho que encontro uma resposta, também silenciosa, que vai do "nem tente mudar-se para esse lugar que está longe de ser um cartão postal" ao "você não faz ideia do que está perdendo...".

Mas ali no calçadão de Copa eu senti que os papéis estavam invertidos. Era eu o "local" --e meu andar despretensioso e firme, de quem sabe onde está pisando, mexia com a curiosidade de quem estava apenas visitando. Mais de uma vez senti vontade de bater um papo com esses turistas, imaginando que eu estava do outro lado do espelho e que, como sempre sou eu que sinto vontade de puxar conversa numa cidade que não conheço, essa era minha vez de facilitar as coisas.

Só que... parar para falar o quê? Que eu não morava em Copacabana mas que me divertia passeando por lá? Que estava indo pra casa, ali embaixo do morro do Corcovado, no "Suvaco do Cristo", ou ainda, numa tradução que não tem um décimo do charme do mesmo apelido em português, no "Christ's Armpit"? Melhor não...

Achei que devia ficar cada um do seu lado do espelho. Carnaval no Rio de Janeiro, as ruas estão cheias de cor, purpurina, sons, beijos e senti que eu não tinha o direito de roubar daquele que visitava a cidade onde moro a fantasia de que a vida aqui é melhor do que em qualquer outro lugar do mundo...

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