Zeca Camargo

Jornalista e apresentador, autor de “A Fantástica Volta ao Mundo”.

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Zeca Camargo
Descrição de chapéu

E se a melhor memória que você traz de uma viagem é a de um sabor?

Foi assim com um simples cardápio de um restaurante em Hanói, no Vietnã

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Uma mulher apoia várias bandejas em uma bicicleta no meio da rua. Ela caminha ao lado da bicicleta porque há uma bandeja no assento do condutos. Há folhas, legumes e frutos nessas bandejas
Mulher transporta vegetais em bicicleta em rua de Hanói, no Vietnã - Kham/Reuters

Lembro de muita coisa da viagem que fiz, lá pelo início deste século 21, ao Vietnã. Não poderia ser diferente, afinal foram 18 dias naquele país. Uma escolha um tanto excêntrica, reconheço, arruinada talvez pela minha opção de começar meu itinerário por Hanói e terminar por Saigon. 

Até hoje, quando alguém me pede dicas de viagem pelo Vietnã, eu digo para fazer exatamente o contrário do que fiz. E se tenho alguma intimidade com quem pergunta já digo logo para pular a cidade de Ho Chi Minh (como Saigon foi rebatizada depois da Guerra do Vietnã).

Não é um lugar desinteressante, mas diante da diversidade do resto do país –e sobretudo das atrações de Hanói– a antiga Saigon é uma mera curiosidade, um souvenir macabro de um dos confrontos mais cruéis da nossa história moderna.

Deveria ter roubado um dia lá para ficar mais tempo em Hoi An, que na simplicidade das suas duas ruas principais evoca a exuberante (ainda que duvidosa) herança chinesa na região. Ou mesmo em Hue ou Danang, mais ao centro daquele imenso litoral.

Em último caso, preferiria ter um dia a mais em Hanói. E o que eu faria com essas 24 horas a mais na cidade? Almoçaria e jantaria no Cha Ca La Vong!

Apaixonei-me por Hanói no mesmo fim de tarde em que aterrissei por lá. Havia chegado de Bancoc, que foi uma bela introdução ao caos urbano das cidades do Sudeste Asiático (que eu visitava pela primeira vez).

Depois do trânsito impossível da capital tailandesa, apelar a uma mulher grávida para atravessar as avenidas de Hanói me pareceu um problema a menos.

(Explico: algumas ruas, inundadas de motos –mais presentes que os carros na capital vietnamita–, me pareciam tão intransponíveis que, naquele primeiro dia, para atravessar uma delas, eu colei numa gestante que se atirava bravamente naquele fluxo ininterrupto, pensando: ninguém vai passar por cima de uma pessoa naquele estado. Não demorei para perceber que eu estava enganado.)

Superado o trauma inicial de vagar por suas ruas, enfrentei todos seus cantos: do charme ordenado do bairro francês, um resquício colonial, ao encanto bagunçado e decadente do bairro antigo, que é mais autêntico. Visitei alguns de seus lagos –a cidade é bem servida deles–, separei um dia para navegar por canais em meio a plantações de arroz e outro só para as águas e a paisagem mais dramática da baía de Ha Long (que é, sim, um dos lugares mais bonitos do mundo).

E na minha última refeição em Hanói (um almoço antes de partir para meu equivocado trajeto rumo ao sul) fui então ao Cha Ca La Vong. 

Minha referência era um grande clichê: naquela época uma daquelas listas pioneiras, o "bestseller" "1.000 Lugares para Conhecer Antes de Morrer" (compilados por Patricia Schultz). O livro incluía esse endereço na sua seleção. Para estar no mesmo patamar de um Machu Picchu (Peru) e o Taj Mahal (Índia), esse lugar deveria ser realmente especial. Fui conferir.

Na verdade, sua fachada é bem ordinária. Uma pequena antessala te leva a um corredor que dá em uma sala maior e iluminada com mesas coletivas. O cardápio, bem simples, diz: "Só um prato no nosso restaurante: peixe frito". Mas que peixinho frito danado...

Aliás, ele não tem nada demais: preparado na sua frente, num fogareiro individual, leva bastante cúrcuma e ervas frescas e acompanha um fino macarrão de arroz. Parece nada, né? Mas é tudo! Os aromas do fogareiro se misturam com o verde e amarelo do prato num festival de sinestesia: tudo vira sabor.

E é por isso que, se eu voltar um dia ao Vietnã (o que deve acontecer em breve), eu sei em que mesa quero estar. E não vou nem precisar perder tempo escolhendo o que comer.

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