Zeca Camargo

Jornalista e apresentador, autor de “A Fantástica Volta ao Mundo”.

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Zeca Camargo

Tive dificuldade de entender o que uma vendedora tailandesa queria dizer com 'fó fó'

Conto esses casos justamente para celebrar a Babel que enfrentamos viajando

Meu tailandês está um pouco enferrujado —o que significa que mal consigo dizer com certa naturalidade as cinco expressões básicas que eu defendo que todo turista deve ter na ponta da língua: olá, por favor, obrigado, com licença e até logo. 


Na verdade, não falo nada e mal sei identificar uma letra desse elegante e impenetrável alfabeto. Mas, quando outro dia vi num anúncio de metrô um cartaz de uma agência de viagens que, depois de uma frase (para mim) impronunciável, trazia a palavra “traveloka”, achei que aquilo tinha a ver comigo!


Menos pela viagem que eu estou fazendo exatamente agora —não pense que é logisticamente simples circular com um grupo de mais de 30 amigos por Bancoc...— e mais pela maravilha que sempre é enfrentar o desafio de me comunicar em línguas totalmente estranhas.


Aqui mesmo, desta vez, já passei por episódios memoráveis —e olha que já comemoro minha 12ª passagem pela Tailândia


Por exemplo, mesmo com meus ouvidos já acostumados a um inglês pronunciado com forte sotaque “thai” (como em qualquer aprendizado de línguas, há sons que simplesmente não saem bem se você não os fala desde pequeno— pense num gringo escorregando em nosso “ão” ou em nós apanhando do “th” inglês), eu tive dificuldade outro dia de entender o que uma vendedora queria dizer quando repetia “fó fó”.


Eu procurava um calção de banho —uma peça, admito, que não está no vocabulário básico de quem aprende inglês para trabalhar com turismo. (Como essa é uma das atividades econômicas principais do país, a turma aqui se esforça para falar um pouco da língua franca dos viajantes pelo mundo). 


Quando finalmente recorri à mímica para explicar o que queria —fazendo o inconfundível gesto de borboletear os braços num piscina— ela então soltou: “Ah... fó fó...”, caprichando no acento final, daquele jeito charmoso que todos os tailandeses têm de transformar suas frases em uma longa oxítona.


Pedi para ela repetir algumas vezes, até “captar” o que ela queria me informar: os calções de banho poderiam ser encontrados no quarto andar —ou, em inglês, “fourth floor”. Você também há de reconhecer que esta não é das expressões mais simples para quem não nasceu falando em inglês —muitos brasileiros também tropeçariam nela. Só que “fó fó” era um pouco demais...

Templo Wat Saket, em Bancoc
Templo Wat Saket, em Bancoc - Athit Perawongmetha/Reuters


Mas no mínimo você reconhece um certo esforço, até cândido, de se fazer entender. Foi enternecedor, também aqui em Bancoc, ver outra lojista me responder que o preço em “baht” (a moeda local) de uma camiseta que eu queria comprar custava “a hundred and twenty fire” — ou, em “bom português”, cento e vinte e fogo!


Insisto, não estou debochando dessas dedicadas atendentes —pelo contrário, reforço a candura da tentativa de acertar: o engano da garota que trocou “five” (cinco) por “fire” (fogo) não poderia ser mais legítimo e adorável. Se conto eles aqui é justamente para celebrar a Babel que enfrentamos viajando.


Abracei essa confusão de idiomas —e a virtualmente impossível tarefa de dominar todos eles— numa das minhas primeiras viagens quando, na Itália, duas turistas japonesas, na minha frente na fila de ingressos para a Torre de Pisa, enfrentavam um homem no guichê.


A dupla pedia, pela milésima vez (num tosco inglês), “two tickets to Pisa”. Ele respondia, em italiano, não sem uma certa má vontade, que elas já estavam em Pisa. É claro que o homem sabia que as viajantes queriam um bilhete para a torre, mas...


Esse episódio foi também uma lição. Graças a ele compreendi que temos que ser elásticos —com nossas línguas e ouvidos. E, longe de se irritar, é melhor sempre abraçar essas “imperfeições” e seguir viagem, afinal, cada uma delas tem um enorme (e delicioso) potencial de ser também uma “traveloka”!


Ah! E se não estiver encontrando o que precisa na Tailândia, não custa dar uma chegada até o “fó fó”...

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