Zeca Camargo

Jornalista e apresentador, autor de “A Fantástica Volta ao Mundo”.

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Zeca Camargo

Em Omã, encontrei o cenário ideal para me perder no horizonte e não pensar em nada

Observação revela universo de beleza nas vilas abandonadas dos penhascos do país

Um vale de rochas até sua visão se perder no horizonte. Esse é o cenário que te acorda nas montanhas de Al Hajar, ainda com uma névoa fina, dependendo da hora da manhã —o que até te ajuda a não se sentir tão solto naquele infinito. Antes das sete da manhã o céu ainda não teve a coragem de ser todo azul, e o horizonte ainda não é um convite à vertigem.

Você quase sente que pode absorver toda aquela paisagem. Mas apenas alguns minutos depois, com a luz do sol já definindo cada traço da natureza, é ela que te absorve. E, na contemplação da sua varanda, você se sente quase obrigado a sair para explorar o que vê.

Não é muito —e, para o olhar desavisado, quase monótono. Só pedras, detectam os sentidos mais preguiçosos, na irregularidade dos terrenos, nos cinzas dos precipícios. Mas uma observação um pouco mais cuidadosa descobre um universo de beleza nas vilas abandonadas nos penhascos, nos contornos beges das casas que abrigam do calor, nas rosas que pincelam o canteiro nessa estação que tive a sorte de cruzar em Omã.

Estive lá no fim de abril, quando os roseirais estão brotando em cor e perfume. Um perfume que, aliás, você não sabe direito se vem da própria flor ou dos fogareiros nas casas de famílias que com orgulho convidam você para conhecer o processo de fabricação da famosa água de rosas que exala por todo o Oriente.

É nessas pequenas comunidades que sobreviveram até hoje que está o grande charme de passear por essas montanhas. De 30 anos para cá, quem vivia nas alturas trocou a dureza de viver com (e como) as cabras e carneiros, desafiando desfiladeiros, por cidades mais modernas (e com mais recursos) construídas nas partes baixas de Omã.

Ficaram para trás cidades-fantasmas, pequenos agrupamentos de casas de pedras, por onde só as correntes de ar, ou algum cabrito desgarrado, hoje circulam. Turistas também. Para ajudar quem gosta de fazer um trekking, o turismo de Omã pintou sinais (três faixas, amarela, branca e vermelha) que devemos seguir para não nos perdermos. A não ser nos pensamentos...

Ilustração com um campo aberto e uma montanha ao fundo, que representa o Omã
Maíra Mendes

Um passeio a Nizwa, cidade importante que fica ao pé da serra, é uma bem-vinda distração. Passei uma manhã por lá e visitei o mercado, onde provei as mais doces tâmaras, e o grande forte, onde aprendi que temos, via Portugal, um passado em comum com aquele país: a ilha de Zanzibar. 

Tentando fazer conexões “geopoéticas” me convenci de que nossa palavra “mascate” vem direto da capital omani. Os portugueses assim teriam batizado os mercadores que encontraram na costa leste da África. E, mesmo em outro cenário, lá ia meu pensamento se perder novamente.

Não achei ruim. Fui para lá justamente para isso: para não ter que pensar em nada. Meu lado emocional já estava mais que alimentado com a viagem que havia feito anteriormente —aquela com amigos e familiares, para Bangcoc e Luang Prabang. Eu precisava agora cuidar de mim mesmo. Do interior. Como na letra da música de uma certa banda argentina, El Robot Bajo El Agua: “Reinstálate la vertiente, mansamente, nutrite de ella”.

Estava no lugar certo. Precisava daquilo. De tarde, voltando do passeio do dia, sentava-me à varanda do meu quarto, despedindo da paisagem que me cercou desde as primeiras horas da manhã, vendo-a desaparecer tão lentamente quando ela se revelou na alvorada.

Sentia-me, de fato, a cada anoitecer um pouco mais forte e feliz, e dormia com a certeza de que já não era mais eu, mas o vento nas montanhas, que cantava o tema que me acompanhava o dia todo. Que, numa inusitada conexão com o país para onde eu seguiria dali, a Argentina, assoviava: “No permitas que nadie opaque el brillo de tu diamante”.

 
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