Zeca Camargo

Jornalista e apresentador, autor de “A Fantástica Volta ao Mundo”.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Zeca Camargo

A força de Istambul é maior do que qualquer vontade individual

Faço um brinde à metrópole turca, onde nunca deixei de encontrar a alegria de viver

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Ninguém aguentava comer mais nada. Quem já foi a um restaurante de “mezze” em Istambul, sabe do que eu estou falando. Se esse não for o seu caso, pense naquele almoço de Natal que sua mãe gosta de preparar —e que você tem de encarar logo depois de ter se empanturrado na ceia do dia 24. Essa é a sensação.

Ilustração de Maíra Mendes para a coluna de Zeca Camargo sobre Istambul
Maíra Mendes

E aí o garçom chegou com um drinque verde.

Passar por Istambul e não comer uma refeição dessas é como se seu passaporte não tivesse sido carimbado no aeroporto Atatürk logo na entrada. Mais de um lugar disputa na cidade o título de melhor “mezze”, mas esse que se chama Rafik é meu favorito.

Os mais hipsters vão te indicar o Lemon Tree; os mais esnobes, o Double Mezze... Mas é no Rafik que você vai se acabar de experimentar tantas delícias e ainda coroar a noite com um licor da cor de vivas folhagens.

Istambul está na minha cabeça nesses dias —e na de quem tem acompanhado talvez o noticiário internacional. A eleição de domingo deu ao atual presidente mais cinco anos de mandato e uma dose de incerteza. Mais de um editorial de jornal, sobretudo os europeus, perguntam se a cidade e a sua cultura vibrante poderão sobreviver um governo que aponta para uma tendência conservadora... que é mundial.

Como um apaixonado por Istambul, leio tudo com certa distância otimista —graças não só às minhas visitas à cidade e às inúmeras conversas que tive (com turcos, brasileiros e outros estrangeiros que moram por lá), mas também a um olhar histórico. Basta recordar seu passado —por exemplo, para o tempo em que ela era Constantinopla (ou até antes)— para perceber que ali, como em toda cidade cosmopolita, reside uma força que é maior do que qualquer vontade individual.

Sei que parece ingênuo sugerir que líderes do mundo inteiro ignoram (por vaidade) a força da História —com agá maiúsculo mesmo!— ao tentar impor sua ideologia a um organismo tão poderoso quanto uma metrópole (e não estranhe o termo “organismo”, pois elas são mesmo seres vivos, com seus próprios ritmos e pulsos).

Será que eles não percebem que mesmo seus esforços mais totalitários serão não mais que uma vírgula na linha do tempo dessas cidades?

Pego hoje Istambul para essa reflexão, mas poderia estar falando de Paris, Nova York, Buenos Aires, Rio, Havana, Mumbai, ou qualquer lugar do mundo que já tenha conhecido a glória e a decadência.

Com exceção da capital cubana, conheço bem cada uma dessas cidades e sei de suas histórias mais alegres e tristes. E em nenhuma delas deixei de encontrar a alegria de viver, a paixão pela cultura, a vontade de se misturar.

Sim, sobretudo a vontade de se misturar, que é talvez o que mais apavora quem defende o fechamento desses centros urbanos em nome de uma demagoga ideia de pureza.

Só lembrando: essas cidades são assim incríveis justamente porque são esponjas, porque sabem o valor de receber o estrangeiro e transformar o que vem de fora em seu benefício.

Isso é o que a gente costuma chamar de “vibração cultural”. E era isso que eu sentia com meu grupo de amigos —que eu havia acabado de fundar naquela viagem de 2007 a Istambul e que dura até hoje forte— quando então brindamos nossos copos curtos com aquele líquido de menta viscosa. E altamente etílico!

De lá saímos para andar sem rumo por Beyoglu, um bairro de uma vibração que o adjetivo “boêmio” nem começa a descrever. Gente na rua, música pelas janelas, tentações (mais) gastronômicas, sorrisos nos rostos das pessoas que cruzávamos. Traços que nunca foram embora de Istambul e que estão presentes sempre nas outras grandes cidades que visito no mundo.

E vão sempre estar. Pois sempre vamos ter algo para celebrar. Nem que seja um novo recomeço. A esses horizontes eu ergo meu minha taça esmeralda e digo: “serefe”!

LINK PRESENTE: Gostou desta coluna? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.