Zeca Camargo

Jornalista e apresentador, autor de “A Fantástica Volta ao Mundo”.

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Zeca Camargo

O melhor suvenir

Lembrança que mais me encanta veio de uma barbearia na capital de Angola

Você também traz coisas demais de uma viagem? Não estou falando, claro, daquilo que a gente (ainda que brincando) chama de muamba. 

Quero saber se você, como eu, enche a mala de suvenires —a palavra chique que a gente usa para disfarçar o arrependimento de ter comprado um monte de lembrancinhas. Assim que você abre a mala, não sabe o que fazer com nada daquilo e, pior, descobre que não tem mais lugar para guardar nem um ímã de geladeira...

Rodrigo Yokota/Folhapress

Se um sorriso acaba de se instalar no seu rosto é porque você já passou por isso. 

Quis falar dessa situação hoje porque nesta semana comecei a separar coisas para uma espécie de bazar que eu faço entre os amigos no fim de ano. O nome é ruim, porque nada do que eu ofereço nesse bazar é vendido. Alguns chamam de leilão, mas também não é bom porque ninguém dá lance por nada.

O que acontece é que eu chamo as pessoas mais queridas e, depois de uma boa ceia —e uns bons drinques—, cada um vai pegando uma senha e descobrindo qual suvenir de uma viagem antiga minha ele ou ela vai ganhar. Tem de tudo: porta-retratos de conchas de Belize, escultura de camelô da África do Sul, saquinho de temperos da Índia, pano de prato de Galápagos e sabonete de um palácio-hospedagem em Veneza. Esses são os que as pessoas gostam de levar!

Boa parte do que eu dou ou, como dizem alguns mais maldosos, “do que eu me livro”, desperta no sorteado ou sorteada a mesma reação que eu tenho quando vejo o que trouxe na bagagem: “O que eu vou fazer com isso?”. 

Mas o que menos importa ali é o valor daquilo de que estou me desfazendo e, sim, a diversão de ver essas lembranças de viagem circularem.

Nem tudo que trago das minhas voltas pelo mundo, porém, acaba no “bazar”. 

Há suvenires que eu guardo como um tesouro e, por mais que esses amigos insistam que eu deveria “jogá-los na roda”, eu não me desfaço deles de jeito nenhum. Poderia inaugurar uma série de histórias sobre meus favoritos: uma galinha de barro com o pé quebrado (Etiópia), um robe antigo bordado (Laos), uma pequena estupa (monumento) de pedra que ganhei de um monge (Butão) e um pião (Bali).

Mas, se eu tivesse de escolher apenas um, aquele suvenir que mais me encantou, ficaria com aquele que também me deu mais trabalho para trazer: a placa de uma barbearia de um mercado chamado Roque Santeiro, localizado em Luanda, capital da Angola!

Nada demais? Bem, para começar, ela traz desenhos simples, com cortes de cabelo modernos estampados, uma imagem recorrente nas ruas de várias cidades africanas. Mas o que me ganhou mesmo foi o que estava escrito nela: “Salão de Confiança - Entra Feio Sai Bonito”! Ah, eu mencionei que isso estava pintado em uma tampa de freezer?

Era a primeira grande viagem que eu fazia pelo mundo, produzindo matérias nos países que falam —ou já falaram— o nosso português. 

Luanda era nossa segunda escala. Se levasse mesmo aquele suvenir, ele rodaria toda a África lusófona, um cantinho da Índia, Macau (China) e mais várias escalas em Lisboa. Quem disse que eu hesitei?

A negociação seguiu um roteiro conhecido por quem já visitou mercados livres. Primeiro, o dono da peça a valoriza.

Ouvi o barbeiro dizer várias vezes que aquilo era uma “obra de arte”, o que de fato era, mas não condizia com lucro que ele estava calculando. Depois, jogou o preço nas alturas. Seguindo o script, joguei lá embaixo. Fechamos em cerca de 20% do valor que ele tinha pedido inicialmente. Dali em diante era só trazê-la para casa.

E hoje ela está lá, naquela que eu chamo de “minha parede de coisas preciosas”. Estou olhando para ela agora enquanto escrevo este texto.

E já pensando que, no bazar deste ano, meus amigos vão novamente, com diferentes graus de sinceridade, cobiçar esse meu suvenir.

Que esperem! Quem sabe um dia eu não faço a placa trocar de mãos? Deixem primeiro eu acabar com o estoque de miniaturas de produtos de beleza de hotel e aí a gente conversa.

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