Zeca Camargo

Jornalista e apresentador, autor de “A Fantástica Volta ao Mundo”.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Zeca Camargo

Ode ao turista aborrecido

Quando dependemos só de guias numa viagem, nossa experiência fica menor

Como eu nunca tinha pensado em procurar a definição de “turista” no dicionário? Eu mesmo fiquei surpreso com essa lacuna na minha curiosidade —e mais surpreso ainda quando li a definição do “Aurélio”: “pessoa que viaja por diversão dentro ou fora do país”.

Ilustração do Zeca Camargo 15.nov.18
Rodrigo Yokota

Não muito diferente do que reza o venerado Oxford English Dictionary: “pessoa que está viajando ou visitando um lugar por prazer”. Que foi inclusive o motivo de eu ter ido pesquisar mais sobre esta palavra.

A consulta ao Oxford está na introdução do maravilhoso livro de fotos que comprei na minha última visita à Voyageurs du Monde, em Paris, provavelmente minha livraria favorita no mundo.

Guias, mapas, relatos de viagem, livros de receitas, filosofia do deslocamento —tudo o que você pode sonhar sobre a arte de sair pelo mundo pode ser encontrado lá. Geralmente vou procurando uma coisa específica, algo que me inspire a viajar para um destino que ainda não fui. Como a Croácia por exemplo.

Nesta última incursão pela Voyageurs, no mês passado, queria saber mais sobre esse país que pretendo conhecer nas próximas férias. 

Nem tinha muito tempo para perambular pelas estantes da livraria, mas o acaso acabou desviando meu olhar para um pequeno volume em cima de uma mesa com o curioso título de “Bored Tourists” ou “turistas aborrecidos”, em português.

Não resisti. Peguei para folhear e, a cada foto que encontrava, meu sorriso ficava mais largo, até se transformar numa gargalhada. 

Peguei esse exemplar, mais guias da Croácia, levei tudo ao caixa e saí para almoçar ali perto no Kuritoraya 2, um dos melhores restaurantes japoneses da cidade, disfarçado de bistrô do século 19. Coisas de Paris!

Enquanto esperava meu udon com porco empanado, abri “Bored Tourists” novamente e mergulhei naqueles registros do fotógrafo inglês Laurence Stephens

Ao longo de três verões europeus, ele registrou pessoas em atrações turísticas mais ou menos óbvias na Espanha e em Portugal e escolheu as melhores —ou seriam piores— para provar que muitas pessoas viajam “em busca de um iluminismo cultural, mas acabam na maioria das vezes procurando apenas um lugar para sentar”.

Foto após foto, eu seguia sorrindo. Um senhor grisalho com uma filmadora sofisticada dando um close em uma melancia. Uma mulher procura informações num guia sentada em frente aos azulejos do palácio onde está e que ilustram a capa do livro que está na mão. Um grupo de pessoas assiste a um vídeo sobre as ruínas que visitam e na tela é possível ler “sacrifício”, uma provável referência ao próprio martírio que atravessam. Dois mochileiros cochilam em frente à bilheteria da atração que querem visitar em Barcelona. E não vamos nem começar a falar das variações sobre pau de selfie.

Quem nunca? Sou o primeiro a confessar que me identifiquei com várias fotos de Laurence, especialmente uma em que um turista mais curioso enfia a mão por trás de um tapume para fotografar um monumento em restauração.

Mas, ao mesmo tempo em que me divertia com imagens, me perguntei: será que precisa mesmo ser assim?

Quando uma viagem se torna um fardo? Resposta simples: quando perdemos a curiosidade. Ou ainda: quando abandonamos a capacidade de nos encantar. Melhor até: nos tornamos “turistas aborrecidos” quando dependemos apenas dos guias para nos indicar o que devemos descobrir.

Não sou contra eles, nem mesmo aqueles de áudio que vemos em museus (e que Stephens capturou em vários flagrantes de tédio). Contei hoje mesmo que comprei vários deles para ir à Croácia. Mas, quando os guias são sua única chave para o descobrimento de uma outra cultura, aí sim sua experiência fica menor.

Se cabemos naquele verbete do dicionário, temos que honrar a parte que fala que nossa viagem deve ser por prazer. Já que é para sair pelo mundo, que seja para celebrar a maravilha que é encontrar coisas novas. Ou isso ou então é melhor você se preparar para acabar nas páginas de “Bored Tourists” volume 2, 3, 4, 5...

Tópicos relacionados

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.