Zeca Camargo

Jornalista e apresentador, autor de “A Fantástica Volta ao Mundo”.

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Zeca Camargo

O significado da mochila

Por muito tempo, viajar era simplesmente um ato de desprendimento

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Não fica nem bem um cara de 56 anos falar que quer voltar aos tempos de adolescente —quero ser o primeiro a admitir isso. Acontece que, às vésperas de sair de férias, senti a necessidade de propor a mim mesmo um esquema de viajar que não adotava há tempos: vou retomar a minha mochila!

Quem já saiu pelo mundo ou mesmo pelo Brasil nesse esquema deve estar achando graça.

Maíra Mendes

Quando a gente leva tudo que precisa nas costas, nosso sonho maior é poder ter um pouco mais de conforto. Sei disso porque durante anos eu não podia nem sonhar com algo como uma classe executiva.

Aliás, nem queria. Por muito tempo, viajar era simplesmente um ato de desprendimento, pelo menos para mim. Não importava muito como eu ia nem o que eu iria levar. Eu queria é chegar. E para isso eu queria circular leve pelo mundo. 

Sem ser piegas, tenho que admitir: eu era bem feliz.

Não que essa felicidade não tenha ganho outros contornos. Acredite, eu sei o que é luxo. 

E sei bem como aproveitá-lo. De uma piscina aquecida no meio da neve no resort Vigilius Mountain, em Lana, na Itália, ao dry martíni a caminho do templo de Angkor, à meia-noite, nas motos particulares do hotel Amansara, em Siem Reap, no Camboja.

Entretanto, o fato de essas regalias estarem mais acessíveis hoje muitas vezes me fez esquecer do prazer que era viajar sem expectativa nenhuma de conforto. Decidi então ver se ainda era capaz de encontrá-lo dentro de mim.

Toda a primeira parte da minha próxima viagem, que começa no fim deste mês, será de mochila. Não digo nem que vou com aqueles mochilões que você é obrigado a despachar na porta do avião, sempre num clima ruim, porque “os compartimentos acima dos assentos já estão lotados”.

Vou com a minha mochila do dia a dia mesmo. Aquela que quem me encontrou num dos aeroportos pelo Brasil (ou quem sabe até em outro país) já viu e elogiou seu design (ela tem uma abertura vertical bem no seu dorso). 

O que cabe nela? Umas três camisetas, três cuecas, um short e uma sandália de tiras.

Cabem também um livro e um caderno, um laptop e carregadores. E um nécessaire com produtos pequenos o suficiente para passarem pelo mais rigoroso raio-x. 

O resto levo ou no corpo (um tênis, uma calça) ou na mão (um moletom, um casaco do tipo corta-vento). 

E assim vou pingando por várias cidades que já conheço e que quero, como contei na última coluna, ter o prazer de revisitar sem o menor compromisso. Nem mesmo o de comprar alguma coisa. 

Afinal, se é para lembrar os tempos de mochileiro, quando a gente tinha grana para levar algum suvenir?

Passarei não mais de duas ou três noites nessas escalas já familiares até chegar ao destino final, que será a grande novidade para mim: a ilha de Bornéu, na Ásia. E quero ver se assim renovo esse meu espírito de viajante.

A volta será um pouco diferente. Fico mais dias em dois lugares que conheço bem e que nunca canso de explorar: Bancoc e Paris

E em cada um deles é provável que eu agregue pelo menos mais uma mala pequena aos meus volumes para transportar as coisas que sempre trago de lá: temperos, da capital tailandesa; livros, da francesa.

Mas a coisa que eu mais quero lembrar da viagem é desse desapego. De estar no lugar pela simples satisfação de estar naquele lugar. De voltar para um hotel apenas para deixar o corpo exausto descansar. De levar coisas não na bagagem, mas na memória.

Nem acho que será assim para sempre ou nas próximas férias. Ainda gosto de poder passar um Réveillon na piscina do hotel Molitor, em Paris. De acordar com uma girafa na minha varanda, no parque Etosha, na Namíbia. De dormir ao lado de esculturas de Alberto Giacometti, em Naoshima, no Japão. 

Só que, por agora, tudo que eu quero é viver um dia simples, dormir sem aflição e acordar sem muita responsabilidade, a não ser a nada pesada tarefa de aproveitar mais um dia.

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