Zeca Camargo

Jornalista e apresentador, autor de “A Fantástica Volta ao Mundo”.

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Zeca Camargo

O despertar da natureza

Uma revoada de pássaros-rinocerontes fez valer o esforço para chegar a Bornéu

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Já não tinha sido muito fácil chegar neste canto de Bornéu: voo curto na madrugada de Denpasar (Bali) para Kuala Lumpur; dez horas de espera na conexão; voo doméstico para Sandakan; pouso nesta cidade de pouco charme; na manhã seguinte, mais três horas de barco rio acima até o hotel no meio da floresta. Encontrar os bichos depois desse esforço todo soava então como um sacrifício menor. Quem dera...

Não posso reclamar da minha primeira incursão por aquelas águas do rio Kinabatangan. Logo que cheguei à pousada e fui instalado numa cabana relativamente luxuosa —Judi Dench tinha dormido na própria cama que me era oferecida, dizia a placa bem na porta do aposento—, parti para minha aventura inaugural naquelas águas.

Maíra Mendes

De cara fui recebido por um bando de macacos-narigudos (Nasalis larvatus), que literalmente pulavam de galho em galho como que saindo de uma happy hour. O dia já encostando na noite, e eles esbanjavam alegria e ousadia naqueles saltos mais desajeitados do que ornamentais, ainda que precisos.

Considerei essa uma recepção feliz. Um tímido crocodilo, avistado apenas por alguns segundos antes de mergulhar na lodosa correnteza do rio, foi meu segundo troféu do dia. Meu guia, também barqueiro, ressaltava que eu deveria comemorar por já ter visto dois dos “Bornéu top 5”, os cinco animais que todos os turistas querem encontrar.

Um terceiro, o elefante pigmeu, típico de Bornéu, me esperava na manhã seguinte. Os barcos que saiam da pousada com grupos de turistas iam em direções diferentes, mas os guias se comunicavam no caso de uma aparição, supostamente rara, dos “bichinhos”.

E, com efeito, logo percebo uma agitação na conversa entre eles: uma família de elefantes pigmeus havia sido localizada —e era para lá que eu estava indo. Em menos de dois minutos eu estava completamente hipnotizado vendo aqueles animais passarem numa clareira às margens do Kinabatangan.

Eu e mais aquele bando de gente. Achar esses elefantes é algo tão inusitado que vira mesmo um evento. E mesmo assim você se sente privilegiado de testemunhar uma cena dessas.

A visão de dois casais de pássaros-rinocerontes veio como um bônus. Não sendo um ornitólogo, peço desculpas pelo nome que batizo o Buceros rhinoceros, ave que justifica com louvor o adjetivo de exótica, com seu “chifre” (que lembra o do rinoceronte) por cima do seu bico (que lembra o do tucano). Mesmo de longe, foi fascinante. 

Mas e o prêmio maior: os orangotangos? Eu já tinha visto vários deles, até bebês, no centro de reabilitação para esses animais, em Sandakan. Só que eu queria achá-los no seu habitat natural. Mas estava difícil.

Então, no meio da tarde, passeando pela pousada, meu guia me chamou para ver uma mãe com filhinho não muito longe do meu quarto. Observei abobalhado... E fiquei com vontade de ver mais na última expedição da viagem.

A bicharada, porém, parecia não estar muito disposta naquele fim de tarde. Uns macaquinhos aqui, um belo “kingfisher” azul, muito apreciado pelos observadores de pássaros... Mas mais orangotangos “ao natural” não rolou.

Reclamar, eu não podia. Tinha conferido os “big 5”, como meu guia não se cansava de me lembrar. No entanto, na manhã do meu check-out, eu partia com a sensação de que ainda não havia tido aquele grande momento.

Foi quando eu percebi uma algazarra nos galhos acima de mim quando eu procurava um sinal decente de wi-fi próximo ao bar do hotel. Os sons vieram antes, mas logo eu vi o primeiro pássaro-rinoceronte pousado a menos de dois metros de onde eu estava.

E vieram mais dois. E mais dois. E outros. Acho que contei uns sete ou oito. Ninguém em volta —os hóspedes ainda estavam dormindo. E eu ali sozinho, cara a cara com aquela maravilha.

Seus cantos estampidos viajavam abafados pelas folhagens. Nenhum deles era para mim. Mas, como um penetra que passa despercebido em uma festa, me senti como um convidado de honra de mais um espetáculo da natureza.

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