Zeca Camargo

Jornalista e apresentador, autor de “A Fantástica Volta ao Mundo”.

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Zeca Camargo

Em águas turbulentas

Harmonia entre medo e prazer me atraem para experiências radicais

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“Adelante! Forward!”

Enquanto ouvia o condutor do bote gritar isso, eu me perguntava o que um homem de 56 anos, sem uma paixão específica por esportes radicais, tampouco portador de um corpo que se adequasse a tais práticas, estava fazendo no meio de corredeiras fortíssimas com mais sete pessoas ostentando quase um terço da sua idade naquela embarcação nitidamente prestes a virar a qualquer momento, e não encontrava uma explicação razoável.

Maíra Mendes

“Adelante! Forward!”

As instruções, sempre em tom imperativo, não vinham em português, aliás, nem poderiam vir, pois eu estava no Chile, mas não era difícil entender a mensagem, também em inglês para os turistas, que elas continham: a de que se você não seguisse exatamente (e com prontidão) àquele comando, remando para frente com vontade, sua própria vida, descontando um certo drama, estaria em risco, o que ficou claro desde a breve orientação ao nosso grupo ainda em terra firme, num tom apenas superficialmente engraçado.

“Adelante! Forward!”

Meus braços respondiam com vigor, como os dos meus companheiros que eu havia conhecido apenas minutos antes, e não poderia ser diferente, pois era quase uma questão de sobrevivência, traindo, sem dúvida, a proposta inicial do passeio de aproveitar ainda mais a natureza daquela estupenda região da Patagônia chilena, em torno do lago Llanquihue, mais especificamente a beleza do rio Petrohué, que, no caso, ameaçava minha própria existência.

“Bajo! Get Down!”

Ah, sim: ao ouvir isso nós deveríamos imediatamente sair da beira do bote, onde nos sentamos para remar, e agachar no chão dele, fazendo um lastro que nos impediria de virar e cair na água —uma estratégia desesperada para fugir das violentas ondas que nos afrontavam indiferentes aos nossos medos e aflições, contrabalanceados apenas pelos gracejos do instrutor que devia achar que nossa redenção estaria no seu bom humor.

“Adelante! Forward!”

Retomamos a “rotina” e num trecho relativamente tranquilo do rio me lembrei de outras aventuras radicais que encarei, sempre em nome da reportagem, uma vez que eu não tenho um tesão específico para embarcar em empreitadas como essa e o faço apenas no cumprimento de um dever: meu primeiro bungee jump, em Paulo Afonso, na Bahia; o salto de um paraquedas puxado por uma lancha, com os pés presos a um elástico num lago em Queenstown, Nova Zelândia; uma corrida de aventura de três dias em Fiji; um trekking de 70 quilômetros em Papua Nova Guiné. O que eu levei de tudo isso, no final das contas?

“Adelante! Forward!”

Ouvir isso repetidamente seria um convite à monotonia, não fosse a violência dos redemoinhos que enfrentávamos na longa hora prevista para o trajeto, interrompida apenas por um intervalo, quando fomos convidados a saltar de uma pedra numa altura equivalente a um prédio de quatro andares naquela nada convidativa correnteza gelada (temperatura média de 12ºC), com a promessa de que seríamos naturalmente conduzidos a uma prainha onde seríamos resgatados e então seguiríamos viagem até...

“Salta!”

Obedeci, mergulhei, nadei, segui. Entrei no bote mais uma vez. Rema, rema, rema.

“Para trás! Backward!”

Um ligeiro pânico tomou conta de nós diante da inusitada diretriz, justamente quando eu já nem pensava mais no tempo que aquilo demoraria para acabar. Só queria seguir remando, forte, em frente, mas aparentemente precisávamos recuar para evitar... o pior?

“Adelante! Forward!”

Ufa, tudo voltava ao normal e, com isso, tive clareza para entender o que finalmente me atrai para uma experiência dessas: a improvável harmonia entre seus maiores medos e seus maiores prazeres, a mistura imbatível da curiosidade do explorador viajante com a recompensa da superação, algo que seu corpo e sua mente sabem reconhecer em qualquer idade.

“Adelante! Forward!”

Agora só falta chegar...

 

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