Zeca Camargo

Jornalista e apresentador, autor de “A Fantástica Volta ao Mundo”.

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Zeca Camargo

Na qualidade de alguém que já percorreu a Terra, afirmo que ela é redonda

Nossa ignorância é inversamente proporcional ao tamanho do nosso quintal

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Com quatro voltas ao mundo no passaporte, acho que posso dividir com vocês, caro e cara viajante, a certeza de que nossa ignorância é inversamente proporcional ao tamanho do nosso quintal.

Se seu horizonte é tão curto que é possível tocá-lo com um braço estendido, talvez tudo que você admita conhecer caiba mesmo numa área pequena.

Ah, o horizonte! Que estudante da minha geração —lembrando que estou mais perto dos 60 do que dos 50 anos— não voltou perturbado para casa depois de uma aula de história em que, esbarrando na geografia, a professora mostrava aquela imagem de uma caravela à beira de um precipício abissal?

Essa era a ideia que os mais covardes faziam da Terra: uma superfície plana que, nos seus limites, desembocava em uma cachoeira profunda. 

Na ilustração, duas mãos abrem uma massa com um rolo. Na massa, há o mapa mundi com a região da África para cima.
Maíra Mendes/Folhapress

Exploradores mais corajosos, que talvez até duvidassem da sua suspeita de que a Terra fosse redonda, mas mesmo assim resolveram arriscar, lançaram-se rumo à "terra incognita" (latim para terra desconhecida). E, para surpresa geral, jamais encontraram o tal socavão descomunal.

A não ser, claro, na ignorância de quem naquele tempo duvidava das surpreendentes revelações. Ou talvez não tão surpreendentes assim. 

Afinal, bastava olhar para o céu e se perguntar: se tanto o Sol como a Lua, incontestáveis esferas detectadas a olho nu, deslizam no céu como elegantes entidades astrais, por que o chão que pisamos teria, neste mesmo espaço, um outro formato?

O que era apenas dedução foi aos poucos sendo confirmado por uma característica tão humana quanto a dúvida, aliás, sua melhor inimiga: a observação.

Usando nossa inteligência, resolvemos definitivamente reconhecer que era uma bola o nosso planeta.
Mas se chamamos a Terra de "planeta", isso não quer dizer que ela é... plana? Está na própria palavra, não está? Ah, os perigos da mente apenas superficialmente curiosa.

Uma rápida busca na internet esclarece que "planeta" vem da ideia de um corpo que vaga, errante, pelo éter. O que é, no mínimo, um elegante espelho do que nós mesmos fazemos há séculos neste que é, por enquanto, o único astro que podemos desbravar.

Pelo menos até que as viagens espaciais se tornem corriqueiras, isso é o que temos para hoje: um planeta chamado Terra, irrestrito na poesia, mas "tragicamente" confinado ao contorno de um globo.

E, insisto, na qualidade de alguém que já o percorreu algumas vezes, afirmo que, com efeito, consigo circundá-lo e voltar para o mesmo lugar!

Impossível escrever isso sem perceber a ironia dessa discussão. Eu poderia estar falando das pequenas cidades do interior da França; da vida noturna de Joanesburgo; da neve que nunca vi em Paris; das saudades que eu tenho do Japão —todos assuntos que estão esboçados no caderno de anotações para textos futuros.

No entanto, aqui estou eu, provocado pelo desatino alheio, tentando provar com um relato amador —e nada científico— o óbvio. Ao que Nelson Rodrigues acrescentaria: "ululante". O fato de que esta Terra, que navegamos nesta seção já há mais de cinco anos, é redonda.

Confesso fraqueza diante da tentação de entrar nessa discussão. No lugar de explorar novos horizontes, vejo-me de repente confinado justamente ao que criticava no começo: meu quintal. Mereço mais que isso. Aliás, merecemos.

Vamos seguir viagem, além. Colecionar aquilo que mais melindra a mente obtusa: culturas. Quero seguir me empanturrando de costumes e tradições diferentes das minhas. 

Ser atiçado pelo incomum, desafiado na minha curiosidade, cutucado pelo desconhecido. Para então voltar sempre mais rico para casa.

De preferência, de malas cheias. Pois quando alguém ganha um elogio por ter muita bagagem, certamente não se trata dos volumes que permitem às companhias aéreas taxar um passageiro por excesso de peso, mas ao aprendizado que acumulamos com nossas descobertas. 

Tão leve quanto a estupidez, é verdade. Mas infinitamente mais interessante.

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