Zeca Camargo

Jornalista e apresentador, autor de “A Fantástica Volta ao Mundo”.

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Zeca Camargo
Descrição de chapéu Coronavírus

Sem ter para onde ir

Se nos roubam destinos, podemos encontrar pouso em outras dimensões

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Às tantas preocupações com o coronavírus, tenho somado dois outros contratempos. O primeiro: ter que comer minhas próprias palavras. O segundo: reconhecer que estou sem ter para onde ir.

Sobre o primeiro, você talvez se lembre que há quatro semanas, descrevendo a travessia de um rio no Camboja, escrevi: “Eu tinha sim muito direito de estar ali. Ou em qualquer lugar que eu quisesse”. E mais: “Sigo embarcando sem fronteiras, solto, muito solto e livre”.

Que diferença um mês faz em tempos de pandemia. Quando fiz essa coluna, com as melhores informações que tinha então, eu respondia em parte ao pânico que o coronavírus, ainda um agente do caos do outro lado do mundo, representava.

Escrevia também, é verdade, como uma resposta atrevida aos que, à época, criavam polêmica ao dizer que determinado destino —digamos, um parque temático na Flórida— não era para todos. (Sim, parece uma discussão de anos atrás, mas essa é a velocidade das brigas nas quais resolvemos entrar hoje). Mas o eixo principal do meu argumento vinha da empáfia de achar que a ameaça do coronavírus, ainda que séria, não me impediria de viajar para onde eu quisesse.

O fato de eu estar redondamente enganado é o que nos leva então ao segundo contratempo: pela primeira vez na vida, não tenho para onde ir!

Não que as férias estejam batendo à minha porta. Elas estão programadas para setembro, quando, espera-se, a crise já tenha, no mínimo, abrandado. Mas mesmo que tudo se resolva fantasticamente a partir de hoje, e vamos combinar que o tal vírus não opera exatamente no mundo da fantasia, é quase impossível prever como tudo vai estar em seis meses.

Poderemos escolher qualquer itinerário quando a crise passar? Onde não teremos risco de contaminação? Companhias aéreas e hotéis sobreviverão? Como?

Preciso fugir disso tudo. E se o mundo real nos rouba os destinos, quem sabe a gente não encontra pouso em outras dimensões? Na arte, na literatura, na poesia?

Eu poderia, por exemplo, pegar carona com Manuel Bandeira e ir-me “embora pra Pasárgada”. Se bem que, especialmente nos dias de hoje, não vejo vantagem em ser amigo de rei algum, ainda mais se ele não for bom da cabeça.

Quem sabe Shangri-lá? Na montanha fictícia do Tibete, criada por James Hilton, todo mundo é feliz e para sempre! Mas aí me lembro da adaptação da história para o cinema, de 1973, e... bom, digamos que quem sai de lá tem a vida drasticamente abreviada —e como eu estou fugindo de um vírus...

Na utopia de Thomas More eu curtiria passar não mais que uma semana. Mas poderia também seguir um coelho apressado num buraco, rumo ao país das maravilhas de Lewis Carroll, se eu estivesse a fim de pôr minha cabeça a prêmio!

Ou eu poderia me imaginar embarcando para lugares ainda mais extraordinários, tirados dos livros e das telas: a Terra Média de “O Senhor dos Anéis”; a Spingfield dos Simpsons; a Los Angeles de “Blade Runner”; a Terra do Nunca de “Peter Pan”; um tour rápido pelo Westeros de “Game of Thrones”; e quem recusaria ser levado ao futuro para uma galáxia muito, muito distante?

Oz! Nárnia! Eldorado! Gotham! Pandora! Hogwarts! As histórias que eu contaria voltando desses destinos! E tudo isso, como recomendam as sábias (mas só as sábias) autoridades, sem sair de casa!

Ou talvez então eu enverede pela música e descubra ali onde vou aproveitar esses tempos de isolamento, longe da ignorância e da insanidade que parecem nos assolar. Onde eu posso recuperar o bom senso.

Um lugar onde as portas e janelas ficam sempre abertas pra sorte entrar. Onde as flores enfeitam os caminhos, os vestidos e a própria canção. Me leva, Marisa Monte: “Há um um vilarejo ali, onde areja um vento bom...”

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