Zeca Camargo

Jornalista e apresentador, autor de “A Fantástica Volta ao Mundo”.

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Enquanto isso, no Butão...

Com empenho, país imuniza 85% da população adulta em uma semana

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Qual o contrário de Felicidade Interna Bruta? Você que sempre sonha em viajar talvez esteja familiarizado com essa expressão usada pelo rei do Butão para descrever seu projeto maior: fazer com que seus habitantes sejam os mais felizes da Terra. Como já pude ver de perto, a coisa lá funciona.

Estive no Butão em 2006, um período distante da nossa história, quando o valor do visto diário para visitar o país, US$ 200, não se traduzia nos cerca de R$ 1.000 que o câmbio da moeda mais desvalorizada do planeta hoje nos impõe. Mas, talvez, até valesse a pena pagar isso agora só para admirar a beleza inesperada de visitar um país cuja população já está quase totalmente vacinada contra a Covid-19.

Uma reportagem recente na The Economist diz que, em apenas uma semana, Jigme Khesar Namgyel Wangchuck, o monarca, já tinha imunizado 85% dos adultos do país, um número que, segundo a revista, apenas Israel e as ilhas Seychelles conseguiram modestamente superar. Mesmo assim, levaram dois meses para conseguir o que Butão fez em apenas uma semana.

Você pode até dizer que, com uma população de 800 mil, essa tarefa é relativamente mais fácil para eles, mesmo naquela paisagem drasticamente montanhosa. (Vale lembrar que a aterrissagem e a decolagem em Paro, onde fica o aeroporto internacional, é uma das mais aterrorizantes que já enfrentei, no meio de todos aqueles picos!)

O mais notável no feito butanês, porém, é a rapidez e a boa vontade com que todos se empenharam em proteger a população. Ainda segundo a The Economist, depois de uma misteriosa consulta aos monges budistas, que estabeleceram que o Butão, mesmo com as vacinas doadas pela Índia, deveria esperar dois meses por uma data mais auspiciosa para começar a aplicação delas (e que a primeira pessoa a receber deveria ser uma mulher nascida em um ano do macaco!), o monarca não perdeu tempo.

Um “exército” de vacinadores, os Guardiões da Paz, logo montou 1.200 postos de vacinação pelo país. O primeiro-ministro, o médico Lotay Tshering, dedica seu Facebook a dar informações corretas sobre a pandemia —nenhuma menção, veja só, a tratamentos preventivos ou remédios que não têm eficiência comprovada. Que coisa mais linda...

Não é à toa que o rei Wangchuck deve comemorar, em 2021, provavelmente um recorde do seu índice de felicidade geral. Que, diga-se, já era alto por lá quando conheci o Butão 15 anos atrás.

Depois de chegar a Paro e visitar o Ninho do Tigre, o mosteiro de Taktsang Palphug, viajei por outras cidades e fiquei até no Amankora Punakha, uma pequena fazenda antiga aonde você só chega atravessando uma pequena ponte de pedestres, provavelmente a melhor experiência hoteleira da minha vida.

E, em cada canto daquele lugar encantado, vi gente feliz. Vestida com sua roupa tradicional, uma imposição velada do rei. Comendo uma dieta simples de arroz vermelho e carne de iaque, uma espécie de búfalo das montanhas. Morando em casas simples, muitas delas adornadas com falos gigantescos. Mas inegavelmente felizes.

Como a própria The Economist ainda lembra, o preço da pimenta verde, usada no guisado de iaque, está nas alturas e o desemprego está em “assustadores” (para o Butão) 5%! Mas ainda reina a felicidade no coração dos súditos de Wangchuck.

O contrário do que acontece no país onde nasci, cresci e estou preso agora, cancelado pelo mundo. Onde a tristeza das pessoas se revela nos primeiros minutos de qualquer conversa, na primeira visão que temos no espelho pela manhã, nas primeiras linhas que lemos das notícias do dia.

Um país onde a autoridade máxima posa rindo com uma placa ridiculamente irônica sobre os mortos desta tragédia. E onde os vassalos de um dirigente insano se recusam a reconhecê-lo como tal. E onde todo mundo anda tão triste que eu mesmo nem sequer consigo pensar no que poderia ser o oposto do tal nível de Felicidade Interna Bruta.

Angústia Incomensuravelmente Brutal?

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