Zeca Camargo

Jornalista e apresentador, autor de “A Fantástica Volta ao Mundo”.

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Zeca Camargo
Descrição de chapéu google internet tecnologia

Só pra contrariar (os algoritmos)

Passei a escrever sobre imagens e coisas que falam de fato ao meu coração

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Todos dias eles fazem tudo sempre igual. Me atormentam às seis horas da manhã. Me lembram que há sei lá quantos anos eu estava sei lá onde. E me deixam com um gosto de saudade.

"Cotidiano", uma das melhores composições de Chico Buarque, felizmente ainda não cancelada, descreve uma rotina supostamente apaixonada, mas não obstante uma rotina. Que é exatamente o que os algoritmos de quem já viajou bastante nos empurra todos os dias.

Com uma sugestiva introdução tipo, "há seis anos...", tanto meu rolo de câmera do celular quanto o Google Fotos, toda madrugada, prepararam o que eu chamo de "pasta da tortura".

Shutterstock

São coleções de fotos de lugares que visitei em um época em que nossa capacidade de viajar não era limitada nem por questões sanitárias nem orçamentárias. Mas se no princípio essas imagens despertavam doces lembranças, a repetição dessa nostalgia programada hoje me traz outrossim uma certa frustração.

As restrições da pandemia, conhecemos bem e mundialmente nos sentimos impotentes diante dessa ameaça da natureza. O mesmo vale para nossa humilhação cambial. Triste né?

Mesmo otimista, acreditando que logo tudo vai mudar, fiquei curioso para entender como essa ferramenta de tortura funcionava e resolvi testá-la. Onde está escrito "pesquisar suas fotos", eu escrevi "saudades".


A única foto que veio foi uma selfie na frente de um lambe-lambe na Vila Madalena (SP), onde estava justamente escrito... "saudades". Nenhum registro dos lugares onde eu realmente queria estar agora.

Digitei "partidas" e só consegui um print de um cartão de embarque de Paris para Antananarivo, Madagascar, onde estive em maio de 2016. "Esperança" me trouxe apenas uma foto de um barco com este nome que tirei quando voltei a Beberibe (CE), há cinco anos.

Quando busquei por "alegria", o resultado foi surpreendente: uma selfie na fonte dos Medici, no Jardim de Luxemburgo, Paris; outra em Haridwar, cidade de peregrinação na Índia; uma risada gostosa na Passarela do Caranguejo, Aracaju; uma pose com meus dois irmão na Namíbia; outra com Shakira em Salta, Argentina; e uma com Anitta nos estúdios Globo.

"Paz" me mostrou um cartaz num casa em Imbassaí (BA) e uma selfie com uma página desta mesma Folha, com uma coluna que escrevi em 2015 sobre uma visita ao salar de Uyuni, na Bolívia. "Tranquilidade", "descanso", "alma" e "paixão" não me trouxeram nenhum resultado.

Sinal de que tinha algo estranho com meus algoritmos.

Na coluna digital que tenho na Ilustrada aos domingos, o "Divirta-me", compartilho produtos culturais que, bem, me divertem a cada semana. E lá eu sempre brinco que nadamos contra a corrente dos algoritmos, que invariavelmente nos empurram mais do mesmo.

Minha "teoria" é que somos nós que podemos mandar nos algoritmos e não eles em nós. Se o segredo é seguir e "taguear" coisas que nos encantam, então podemos virar o jogo. E foi exatamente o que comecei a fazer com minhas fotos pelo mundo.

Desde o começo da semana passei a escrever sobre imagens e coisas que falam de fato ao meu coração. Investi nas que citei acima, "alma", "paixão". Mas criei novas categorias também.

"Meu paraíso". "Eterno retorno". "Noites incríveis". "Onde nos beijamos". "Plenitude". "Infinito particular". "Pra sempre". "Vida maravilhosa".

É cedo para dizer se alguma coisa mudou nos filminhos que os algoritmos me preparam. Mas já posso adiantar que só de fazer esse exercício de classificar meus registros não pelo GPS, mas pelo coração, já fiz as pazes com minhas lembranças de viagem.

E já estou pronto para colecionar outras tantas.

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