Zeca Camargo

Jornalista e apresentador, autor de “A Fantástica Volta ao Mundo”.

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Zeca Camargo

O mundo enquanto você dorme

Espetáculos que, se me deixasse levar pelo sono, eu jamais teria vivido

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Eu odeio dormir. Sim, sou daqueles que acham que só evoluiremos mesmo quando aprendermos a dispensar horas de sono para repor nossas funções biológicas. O que faz de mim, claro, um turista eternamente arrependido.

Não por minhas escolhas de destino —jamais! Mas pelo tempo que passo dormindo nelas. Se você, como eu, é daqueles que não gostam de perder um segundo em viagem, já me entendeu.

Sou do tipo que briga com o fuso horário e desiste de computar períodos de descanso. Se estamos num lugar novo, é para aproveitar tudo! Dormir é para a cadeira do avião, por mais que isso sugira um dilema.

Cama de hotel no nordeste brasileiro - Divulgação

Não gosto nem de pensar nisso e só resolvi escrever sobre o sono aqui hoje porque atravesso justamente um período onde sou obrigado a negar tudo que escrevi acima. Venho de uma semana que misturou a carga pesada de trabalho com uma agenda festeira de (várias) comemorações de aniversário.

Com isso, acordei agora destruído. E com raiva. Raiva de ter um corpo que impiedosamente pede descanso quando a vida pede ação. Uma situação, insisto, que já vivi inúmeras vezes em viagens.

Que prazer que é acordar de madrugada num lugar que sempre sonhou estar e inesperadamente aproveitar a beleza da noite? Minha ansiedade com o ato de dormir, em várias situações, só foi acalmada com a recompensa do encantamento de uma paisagem noturna que, fosse eu uma pessoa de ritmos biológicos mais convencionais, não teria experimentado.

Como a noite em que despertei no silêncio de Sultanahmet, Istambul, antes mesmo de as primeiras orações ecoarem nas torres das mesquitas, e encontrei uma neve cálida colorindo lentamente as abóbadas das construções antigas que me separavam do Bósforo.

Ou a visão noturna da janela da escotilha do barco que me levava para a ilha de Espanhola, no arquipélago de Galápagos, horas antes de passear por aquelas areias macias entre casais de leões-marinhos.

Do teto do meu hotel em Timbuktu, tive um encontro com o deserto do Saaara, no meio de uma madrugada insone, que desafia as palavras. Bem como a visão da moderna torre na capital do Japão, do alto do trigésimo sétimo andar do meu quarto no Park Hotel Tokyo, às 3h da manhã.

Andar sozinho pelo campo de futebol ainda escuro enquanto toda Trancoso ainda está dormindo foi uma das experiências mais incríveis da minha vida, assim como esperar o ano de 2022, à meia-noite, nas ondas geladas da Ilha de Ré, na França.

Só na noite profunda eu poderia beijar quem eu quisesse sem ser importunado em pleno Astor Place, quando morei em Nova York em 1989, ou me banhar sem roupas com um grupo de amigos e amigas do bem em Carneiros, Pernambuco.

Acordar em altas horas de frente para a cratera de Santorino e apenas ouvir, sem conseguir ver nitidamente, aquele mar incansável é algo que guardo na minha memória para sempre. Bem como o céu que me recebeu quando levantei no meio da noite com frio no yurt onde tentava dormir no meio do nada na Mongólia.

As auroras boreais em Alta, na Noruega. As árvores cantando com a brisa noturna no Constance Tsarabanjina, em Madagascar. Os últimos punks a irem dormir em Candem Town, ainda nos anos 1980. A última canção que ouvi em Sal, Cabo Verde, antes de eu me deitar.

Espetáculos que, se eu me deixasse levar pela tentação do sono, eu jamais teria vivido. Aliás, como tantos outros que eu ainda gostaria de dividir com você, mas que, agora, forçosamente, tenho que deixar para outra hora, porque o dia ainda vai demorar para chegar e eu infelizmente ainda tenho que atender aos caprichos de um corpo que insiste em dormir.

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