Descrição de chapéu

Guia Michelin local ainda parece feito por turistas para turistas

Talvez para um estrangeiro as indicações da edição 2018 pareçam fazer sentido; para quem vive aqui, não

Da esquerda para a direita, os chefs Alex Atala, Geovane Carneiro, Felipe Bronze e Ivan Ralston
Da esquerda para a direita, os chefs Alex Atala, Geovane Carneiro, Felipe Bronze e Ivan Ralston - Alexandre Virgilio/Divulgação
Josimar Melo
São Paulo

A edição 2018 do Guia Michelin São Paulo e Rio (lançada na segunda-feira, 7) ainda não conseguiu dissipar a impressão de ser um guia não somente feito para turistas, mas também feito... por turistas. Parece uma visão distraída de quem está de passagem e apenas colhe no ar algumas impressões sobre a gastronomia das duas cidades.

Talvez por ser dirigido, de fora, por uma empresa de tradição europeia; talvez por ter inspetores estrangeiros analisando nossos restaurantes com um olhar exterior; o fato é que o Michelin brasileiro continua surpreendendo pelas inconsistências.

Há guias e guias. E listas. O prêmio 50 Best Restaurants (do qual faço parte), por exemplo, não tem pretensão de análises técnicas —é uma opinião colhida de mais de mil especialistas pelo mundo, que reflete as tendências deste público antenado (resultado: dez entre dez leitores discordam da ordem da lista, que nunca bate com a deles, mas a utilizam como referência).

Já o Michelin construiu sua reputação como uma análise técnica e isenta dos estabelecimentos, premiados com classificações de qualidade. Cria assim a expectativa de avaliações precisas e confiáveis.

Talvez para um estrangeiro as indicações da edição 2018 pareçam fazer sentido. Mas para quem vive aqui e frequenta esses restaurantes, não.

É compreensível que Oro (RJ) e Tuju (SP) alcancem as duas estrelas —mas como não reconhecer que pelo menos casas como Maní, Esquina Mocotó (ambas de SP) e Lasai (RJ) estejam no mesmo nível?

Como entre as casas com uma estrela o Kosushi está no time e o Shinzushi (ambos de São Paulo), não? Como é possível que, ainda em São Paulo, restaurantes como Arturito, A Casa do Porco, Jiquitaia, Tordesilhas não tenham nenhuma estrela?

Fora a categoria Bib Gourmand, de restaurantes teoricamente baratos, mas com lugares não tão baratos assim, que termina (parece) servindo como alívio de consciência, no qual o guia aloca lugares que deveriam ter recebido estrelas (como os paulistanos Arturito, Tanit, Tordesilhas).

Por fim, que não haja nenhum três estrelas, algo que fere o brio dos brasileiros, parece no entanto um acerto. Quem vai aos grandes restaurantes no mundo sabe que ainda falta um pouco mais de consistência e de perfeição (técnica e emotiva) para entrarmos neste time.

JOSIMAR MELO é crítico gastronômica da Folha e presidente do júri brasileiro do prêmio World's 50 Best Restaurants.

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