Haveria pães melhores se quiséssemos pagar por eles, diz cientista

Principal autor de compêndio, Nathan Myhrvold defende uso de métodos científicos na cozinha

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Priscila Pastre
São Paulo

São 2.642 páginas distribuídas em cinco volumes vendidos a quase R$ 2 mil. Parece coisa demais para falar sobre pão, certo? Errado, segundo o principal autor de “Modernist Bread”, Nathan Myhrvold. O americano de 58 anos, que entrou na faculdade aos 14, é matemático, físico espacial, ex-colega de Bill Gates na Microsoft e trabalhou com Stephen Hawking.

Em 2011, fundou o Cooking Lab, no qual cientistas, chefs e escritores, entre outros fazem pesquisa gastronômica.  

Como quase tudo relacionado a Myhrvold, a entrevista também foi inusitada. Ele estava em São Paulo visitando pizzarias para uma nova coleção, sem previsão de lançamento. E falou à Folha enquanto devorava opções da Bráz Elettrica, em Pinheiros. 
 

 

O sr. é matemático, físico e autor de livros de cozinha. Como explica a sua carreira?  

Olha, ela faz todo o sentido para mim [risos]. Sempre fui bem na escola. Quando tinha nove anos, decidi que faria um jantar de Ação de Graças. Peguei vários livros e fiz. 


Aos 23 anos estava formado em matemática, física e economia. Queria ser físico. Trabalhei com o Stephen Hawking. A família dele me chamou hoje para o enterro das cinzas [em Londres]. Mas estou aqui em São Paulo comendo pizza para a próxima coleção. 


E criei uma empresa de software com alguns amigos, vendi para a Microsoft e fui trabalhar como diretor técnico com Bill Gates. Mas saí para estudar cozinha na França. 

Por que o gosto pela cozinha se tornou livro?

A ciência faz você cozinhar melhor. Tentei encontrar um livro que unisse bem as duas coisas. Não encontrei e resolvi escrevê-lo.

E por que o pão?  

Nos Estados Unidos começou a surgir essa onda do pão artesanal. Foi bom. O que não foi bom foi terem abandonado a ciência na arte de fazer pão. 

Você tem um laboratório em casa e outro para trabalhar, onde fez as pesquisas para a coleção. O que descobriu de mais interessante?  Uma das coisas é que sovar a massa é, basicamente, uma fraude. A maioria dos livros diz que você precisa sovar. Mas não, você não precisa. A sova acelera o processo de formação de glúten. Mas não é fundamental. 

O que fazer com a massa, então? 

 Nos nossos testes, constatamos que o glúten se desenvolve por causa da reação química da água com a farinha. O grão é uma semente. Se você coloca água nela, ela acorda, germina. É essa reação química que desenvolve o glúten. Com bastante tempo, dá para fazer um ótimo pão só misturando tudo no início. 

Como foi o processo de pesquisa para o livro no laboratório?  

Durou três anos. Foram 1.500 experimentos e 40 toneladas de farinha.


Qual foi o melhor pão que comeu durante as pesquisas em campo? 

 Baguetes em Paris! 

Por que “modernist”?  

Não seria molecular porque tudo é feito de moléculas. Para o cientista Hervé This, esse termo só deveria se aplicar no estudo da ciência na comida, não para descrever uma forma de cozinhar. Pensamos no termo “modernista” porque não se refere exatamente a algo novo, mas a um movimento que se dispõe moderno.

Qual o papel do pão hoje?  

Você pode comprar pão no mercado. Tem mais vaga para parar o carro e é mais barato do que numa padaria artesanal. Num restaurante, acham um absurdo cobrar pelo pão. Deve-se a uma conexão emocional com o passado, que faz com que ele seja visto como algo essencial, e não algo pelo que se pague. Podemos comer pães muito melhores se toparmos pagar por eles.


BIBILIOGRAFIA
Para ler o pão

Pão Nosso  
Autor: Luiz Américo Camargo
Editora: Panelinha
Quanto: R$ 92 (180 págs.)

Modernist Bread 
Autores:
Nathan Myhrvold e Francisco Migoya
Editora: The Cooking Lab
Quanto: R$ 1.841 (2.642 págs.)

Tartine Bread 
Autor:
Chad Robertson
Editora: Chronicle Books
Quanto: R$ 117 (306 págs.)

Pães – Deliciosos, simples e contemporâneos 
Autor:
Richard Bertinet
Editora: Marco Zero
Quanto: R$ 75 (158 págs.)

Seis mil anos de pão – A civilização humana através do seu principal alimento 
Autor:
Heinrich Eduard Jacob
Editora: Nova Alexandria
Quanto: R$ 97 (592 págs.)

Cozinhar – Uma História Natural da Transformação
Autor:
Michael Pollan
Editora: Instrinseca
Quanto: R$ 49 (448 págs.)

Do Grão ao Pão - Farinha de trigo: história da moagem no Brasil
Autor: Xavier Bartaburu
Editora: Origem
Quanto: R$ 50 (198 págs.)

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