Em nossas bandas, o churrasco é associado ao poder das chamas, à violenta ação das labaredas sobre a matéria, à derradeira ação masculina sobre animais abatidos.
No coração do País Basco, no noroeste da Espanha, um homem de semblante tão sereno quanto a bruma que envolve o campo age diferente —embora seja o senhor absoluto do fogo, que ele doma à perfeição.
Seu nome é Bittor ("Vitor" em basco) Arguinzoniz, e ele é chef e proprietário de um dos restaurantes mais emblemáticos do mundo, o Asador Etxebarri, pousado na paisagem rural de Axpe (minúscula vila a sudeste de Bilbao), onde ele nasceu em 1960.
No País Basco, "asador" é o restaurante de grelhados, onde a estrela é o "chuletón" —a enorme, suculenta e malpassada bisteca de bois bem adultos (seis anos ou mais). No menu-degustação do Etxebarri, o chuletón sempre fecha a refeição. Mas antes... vem um desfile de delicadezas e precisão.
Numa região onde os esportes tradicionais são rachar lenha manejando o machado com uma mão, ou erguer até o ombro blocos de concreto de 100 kg (com um braço só), o sangrento chuletón parece um prato mais do que óbvio.
Mas no Etxebarri tudo o mais vem da grelha. Dos ovos mexidos ao sorvete. Das minienguias e minipolvos aos pescados inteiros do mar Cantábrico. Dos vegetais ao caviar.
Mas seria um erro dizer que vem tudo "grelhado". Na verdade, tudo passa em algum momento pela brasa. Mas é uma brasa delicada, vinda de lenha de diversas árvores, que o chef Bittor seleciona dependendo do produto que vai preparar.
Em sua minúscula cozinha ele tem de um lado uma grelha onde a lenha vai virando a brasa, e nada é colocado sobre ela. Ali (e também um forno) é só o viveiro, de onde ele vai recolhendo, na quantidade que necessita, as brasas que deposita em outra grelha, onde, aí sim, a mágica da transformação se realiza.
Anchovas, leite, linguiça, vagens: cada produto será acariciado pelo calor da lenha certa, e no tempo certo --às vezes diretamente na grelha, às vezes em peneiras, frigideiras perfuradas, chapa ou panelas.
Os pratos que vão à mesa terão toques defumados, chamuscados, grelhados, com intensidade absurdamente delicada. Uma precisão japonesa ao medir a intensidade do calor, a altura da grelha, o tempo de preparo...
O restaurante fica numa casa típica do vilarejo —rija, de grossas paredes de pedra— que o chef comprou (era um antigo bar fechado) e reformou, para inaugurar em 1990. No andar de baixo, o bar atende moradores locais. Em cima, fica o salão que virou templo de peregrinação de gourmets.
Este ano o Asador Etxebarri está pela segunda vez entre os dez primeiros do World's 50 Best Restaurants. Pela surpreendente impressão que causa em cada um dos clientes que conseguem ali uma mesa, não é de estranhar que o modesto e calado Bittor —ex-lenhador e cozinheiro autodidata— tenha entrado no panteão dos grandes chefs do mundo.
Asador Etxebarri
Menu 17 de junho de 2018
O restaurante serve apenas o menu-degustação do dia
Anchova - salgada
Chorizo (salame)
Manteiga - leite de cabra Búfala
queijo fresco (burrata)
Navalhas - emulsão de pimenta verde
Camarões - de Palamos
Minipolvo - com tupinambur
Bacalhau - bochechas
Ovos mexidos com champinhons de primavera
Chorizo fresco - tartar
Ervilhas-lágrima
Dourada - com vegetais
Bisteca
Leite - sorvete e suco de beterraba
Doce - abóbora e cereja
Preço: 176 euros (R$ 799,15)
Extras: ostras (unidade, 8 euros), caviar (10 g, 40 euros), percebes (100 g, 25 euros)
Asador Etxebarri Plaza de San Juan, 1 48291 Atxondo, Bizkaia +34 946 58 30 42 info@asadoretxebarri.com
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