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Monástico, chef Joël Robuchon, morto aos 73 anos, servia pratos de nocautear

Melhor do século 20, francês foi capaz de espalhar sua técnica e alma em restaurantes pelo mundo

O anúncio da morte do chef francês Joël Robuchon, 73, em Genebra, em decorrência de um câncer no pâncreas, fez lembrar ao mundo nesta segunda (6) a prolífica atividade deste que detinha o maior número de estrelas do Guia Michelin —são 32, espalhadas por 26 restaurantes e cafés em nove países.

Joël Robuchon na cozinha do restaurante La Grande Maison, em Bordeaux, na França
Joël Robuchon na cozinha do restaurante La Grande Maison, em Bordeaux, na França - Nicolas Tucat/AFP

Somente outro chef chegava perto dele: Alain Ducasse, com 21 estrelas em igual número de restaurantes em sete países. Qual deles vinha sendo mais marcante para a gastronomia do planeta onde a marca de ambos se encontra cravada em tantas mesas?

Só tenho conhecimento de uma vez em que foi possível cotejar, lado a lado, prato a prato, o desempenho de ambos —e por sorte eu estava lá. E pude constatar o que já intuía há muito: Alain Ducasse é excepcional. Mas Robuchon, mais do que isso, era genial.

O jantar aconteceu num domingo, em 25 de abril de 2010, no restaurante de Ducasse no hotel The Dorchester, em Londres. Pela primeira vez os dois chefs cozinharam juntos. O pequeno grupo de comensais éramos os 26 presidentes do júri internacional do prêmio World's 50 Best Restaurants, além dos organizadores do prêmio.

Na verdade, os superchefs assinaram o cardápio, mas não chegaram a sujar os aventais (que envergavam impecavelmente). Foram eles, no entanto, que conceberam o menu com suas receitas, que foram executadas pelos seus chefs principais de Londres, Olivier Limousin (Robuchon) e Jocelyn Herland (Ducasse).

A refeição, claro, foi estupenda. A sucessão de pratos (sempre um de cada chef --duas entradas, peixe, carne, sobremesa) era impecável. Mas em todas as etapas, Joël Robuchon ousava mais. Enquanto Ducasse nos presenteava com uma combinação de vieiras e cogumelos morilles, Robuchon surpreendia com ouriços-do-mar.

O robalo com caldo de mariscos de Ducasse era encantador, mas o leve e cremoso suflê invertido de queijo com purê de trufas negras, de Robuchon, era de nocautear. E assim foi até o final.

Este era Joël Robuchon: nascido no centro-oeste da França, em Poitiers, em 1945, foi sempre surpreendente, apesar do perfil discreto. Sua fala era mansa e sacerdotal; seu jeito, monástico; era um profissional metódico e obsessivo que, usando uma severidade extrema com seu pessoal (pelo menos é o que se dizia), conseguia obter resultados espantosos.

Ele surpreendeu o mundo ao renovar a cozinha francesa no pós-nouvelle cuisine, abrindo-se para o Oriente e assimilando as novidades que a Espanha, para desprezo da França, anunciava. Com seu restaurante Jamin, depois rebatizado com seu próprio nome, passou a ser considerado o cozinheiro do século 20, assim nomeado pelo guia Gault&Millau em 1989.

A nova surpresa foi quando, após a precoce morte do colega Alain Chapel em 1990, aos 53 anos, anunciou pouco depois que se aposentaria aos 50 —e assim o fez, fechando seu premiado restaurante no auge da fama, em 1995.

Até nos espantar novamente, anos depois, voltando à ativa ao abrir um restaurante informal (L'Atelier de Joël Robuchon) na informal margem esquerda do rio Sena.

Daí em diante, passou a replicar a fórmula mundo afora, mas também abrindo outros restaurantes mais sofisticados, que voltaram a receber a cotação máxima do guia Michelin.

Mas fez tudo isso com nova sabedoria: já não ficava mais na cozinha de nenhum deles. "Não abro nunca um novo restaurante se não puder colocar lá um chef que tenha trabalhado pelo menos dez anos comigo", ele me contou certa vez.

Mesmo não estando presente, seus Joël Robuchon, em Tóquio ou Las Vegas, ofereciam o mesmo detalhismo técnico e a mesma alma de sua cozinha: emocional, elegante, precisa —e, mesmo sem ser revolucionária, sempre surpreendente.

Robuchon deixa os filhos Sophie e Louis.

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