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Livro lança provocações urgentes sobre tensões alimentares

Autor faz investigação estimulante da multidisciplinaridade da comida

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AS REVOLUÇÕES DA COMIDA

  • Preço R$ 59,90
  • Autor Rafael Tonon
  • Editora Todavia

Comida global versus local, o fast e o slow, o prazer e a nutrição, a tecnologia e a ancestralidade, o campo e a mesa são algumas das tensões alimentares contemporâneas exploradas pelo jornalista Rafael Tonon em “As Revoluções da Comida”, lançado pela editora Todavia.

A obra semeia provocações oportunas e urgentes, em um mundo em iminente esgotamento, em que homem e natureza estão cindidos e a indústria avança e obscurece a origem da nossa comida. O mesmo mundo, aliás, em que 20 milhões de adultos que vivem nos Estados Unidos acham que leite achocolatado vem de vacas marrons, segundo pesquisa à qual recorre o autor.

Tonon constrói caminhos para reflexão —amparado por bibliografia robusta, estudos científicos, entrevistas com neurocientistas, filósofos, sociólogos, agricultores— e expressa, assim, a multidisciplinaridade da comida.

Capa do livro 'As Revoluções da Comida', de Rafael Tonon - Divulgação

Nos momentos em que aparece explicitamente nos relatos, como um repórter que viaja, investiga, come, entrevista, o autor fortalece o enredo. São trechos como o de sua conversa com o chef espanhol Andoni Luis Aduriz, que trabalha com acadêmicos para tentar compreender o que torna uma refeição em um restaurante inesquecível a longo prazo; ou do relato sobre quando provou minienguias vivas e sugou “um ‘mamilo’ feito com tartar de ostras colado a uma esfera de gelo”.

Um dos méritos de Tonon está no talento de costurar histórias e ziguezaguear pelo tempo e pelo espaço. Ele menciona estudos sobre como a espécie humana evoluiu a partir do descobrimento do fogo e faz referência a robôs que podem eliminar a nossa necessidade de alimentação nos próximos 20 anos.

Sua desenvoltura também está em como transita pelo mundo —e traz o Brasil ao epicentro em alguns bons momentos, como ao tratar de grupos de consumo coletivo, modelo que dá estabilidade aos produtores e torna os compradores coprodutores.

Não deixa de mapear, no entanto, informações desse movimento nos Estados Unidos e na França, e alcança a Espanha ao contar a história dos irmãos valencianos donos de uma fazenda de laranjas orgânicas que passaram a disponibilizar as laranjeiras para adoção, com negociações online.

Adiante, Tonon faz uma escavação na história do restaurante. Recupera sua origem em Paris, nos caldos restauradores para enfermos; passeia por descobertas arqueológicas mais recentes; e desemboca no restaurante como experiência inesquecível, em que inovar é mais importante que satisfazer.

O jornalista avança ao trazer pesquisas que sinalizam o crescimento do número de pessoas que comem sozinhas; informações sobre como as redes sociais interferem na forma como nos relacionamos com a comida ou sobre a invenção do Soylent, um substituto de refeições que atende às necessidades bioquímicas do corpo.

Fomenta, assim, a reflexão sobre fenômenos como os das fazendas urbanas, movidas por tecnologia ultramoderna e que prometem ser o futuro da agricultura; o dos molhos de tomate enlatados, que se vendem como italianos, mas são feitos com frutos da China; ou o do desaparecimento de populações inteiras de anfíbios em um processo disparado pelo capricho gastronômico de comer rãs.

Diferentes perspectivas perpassam a obra —a comida como nutrição, como prazer, como elo social ou como ato político. Se, por um lado, esses olhares dão vigor e longevidade ao livro, este incorre em alguns generalismos imprudentes.

Os millennials são apresentados, por exemplo, como uma geração que se preocupa com o que come, cozinha cada vez mais e gasta mesada em restaurantes. Quem são essas pessoas, em um mundo em que a pobreza se alastra e a fortuna se concentra cada vez mais?

Idem para quando declara que o restaurante se tornou “o luxo possível para (quase) todos”. Ele próprio diz, em seguida, para “todo homem com suas notas na carteira”.

O mesmo vale para a ideia de que “nove em cada dez grandes cozinheiros” foram influenciados por Dan Barber, chef norte-americano, ativista, que constrói seus pratos guiado pelo sabor e pela paisagem na qual está inserido. Essa colocação faz sentido se o recorte for uma nata de superchefs, mas certamente é cedo para sugerir que esse pensamento tenha contaminado a maioria.

Se tomarmos essas considerações como estímulos para refletir, nos beneficiaremos do que há de melhor no livro. Rafael Tonon imprime contorno ensaístico à obra e mergulha nas transformações que a alimentação sofreu nos últimos 50 anos.

Ele cerca o tema com coesão e provoca o leitor a compreender que suas escolhas à mesa abatem o mundo. Há que sair da ignorância e da passividade.

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