Vinícolas em Bordeaux passam por reformas e devem vender rótulos ainda melhores

Novos prédios trazem racionalidade e tecnologia à produção da região francesa

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Instalações do Château Lynch Bates, na França, com projeto do arquiteto americano Didi Pei Divulgação

São Paulo

O vidro e o aço da arquitetura contemporânea estão invadindo Bordeaux, a região vitivinícola francesa conhecida por seus imponentes châteaux centenários.

Sedes de vinícolas e patrimônio histórico, os palácios não serão postos abaixo, mas testemunham uma década de mudança, em que alguns dos principais nomes da região vêm construindo ao lado deles áreas novas de produção.

A mudança não é só estética. Os novos prédios trazem racionalidade e tecnologia para o processo de produção. A curto prazo, isso deve se refletir em qualidade ainda maior para vinhos que já são excepcionais e têm preços estratosféricos.

A médio prazo, é provável que gere melhora geral do nível de qualidade dos vinhos da região —que já é bastante alto— pois, com o tempo, a tecnologia costuma ser repassada para todos.

Uma das principais inovações é a instalação de tanques menores, mas em maior número. Assim, é possível vinificar cada parcela do vinhedo separadamente. “A tecnologia de campo evoluiu”, diz Jean-Charles Cazes, diretor-executivo do Château Lynch-Bages em Pauillac, uma das sub-regiões do Médoc.

Para se ter ideia do prestígio da casa, uma de suas garrafas sai, no Brasil, por mais de R$ 1.800.

A mais nova sensação de Bordeaux, o novo prédio do Lynch-Bages foi assinado pelo arquiteto americano Didi Pei, filho do criador da pirâmide do Museu Louvre, em Paris, em parceria com o escritório de arquitetura local BMP Architectes, especializado na construção de vinícolas.

“A partir de 2006, começamos a mapear nossos vinhedos para praticar uma viticultura de precisão. Com a ajuda de satélites, conseguimos determinar características diferentes de terroir para cada parcela. Isso nos ajuda a colher cada parcela quando a uva está no seu ponto ideal. Mas, antes da renovação, quando chegava na adega, tínhamos de misturar as uvas de todas as parcelas num mesmo tanque. Não fazia sentido”, lembra Cazes.

Quando percebeu que precisaria de mais tanques e decidiu construir uma nova adega, o primeiro passo da equipe foi viajar o mundo conhecendo vinícolas com projetos inovadores. Em 2017, a construção teve início.

“Derrubamos tudo que meu pai tinha construído, mas mantivemos a adega de 1866”, conta o diretor. A configuração do prédio foi reformulada e agora há um número maior de tanques. Isso, segundo Cazes, traz mais definição para o vinho.

Um Grand Cru Classé, como é classificado o Château Lynch-Bages, costuma ser um vinho muito complexo, com muitos aromas e muitas sutilezas. Com a vinificação por parcelas, tudo fica mais definido, como os aromas e características de boca. “É como uma tela com mais pixels”, compara.

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Vista aérea do Château Valandraud, coberto metade por painéis de energia solar e metade por jardins - Divulgação

Muitas das novas vinícolas têm arquitetura assinada por nomes internacionalmente famosos —além do projeto de Didi Pei, o arquiteto e designer francês Phillipe Starck desenvolveu a adega do Château Les Carmes Haut-Brion, de Pessac-Léognan, em Graves. No Brasil, uma garrafa custa, em média, R$ 1.500.

No entanto, como lembra Arnoud Boulain, do escritório BMP Architectes, especialista em desenhos de adegas há 20 anos, a arquitetura deve estar sempre a serviço do vinho. O escritório de Boulain assina vários projetos na região. Entre eles, a construção da adega do prestigiado Château Angélus (que ultrapassa os R$ 8 mil), em Saint-Émilion, na margem direita.

“Um projeto de modernização melhora a qualidade dos vinhos extraídos”, avalia.

“Os novos materiais nos permitem ganhar na precisão, na extração dos aromas, na finesse dos taninos e no equilíbrio dos vinhos. O desafio é melhorar o processo em todas as fases da vinificação, desde a recepção da vindima, o seu tratamento, a cuba da uva, a sua vinificação, o envelhecimento do vinho, até o engarrafamento e acondicionamento”.

É importante lembrar que, por mais charmosas que sejam, vinícolas são instalações industriais —precisam se renovar de tempos em tempos. “Sempre houve renovação dos châteaux em Bordeaux, mas agora tem mais”, garante Christophe Chateau, gerente de comunicação do Conselho Interprofissional do Vinho de Bordeaux (CIVB).

“Além das necessidades técnicas, tem o crescimento do turismo e a disputa nos sistemas de classificação. O prédio é a vitrine da vinícola.”

A principal disputa acontece em Saint-Émilion, onde o sistema de classificação é revisto a cada dez anos. A próxima revisão será em 2022. Dois dos quatro châteaux mais bem classificados, no entanto, o Château Ausone e o Château Cheval Blanc, já anunciaram que não participarão desse sistema de classificação.

Produtores de garrafas na faixa dos R$ 9 mil e R$ 18 mil, respectivamente, eles discordam de critérios que atrelam a classificação a qualquer outro fator que não seja o vinho em si ou o terroir (as condições de clima e solo).

São contra, por exemplo, dar pontos para quem tem visibilidade nas redes sociais ou para quem construiu um belo prédio novo para atrair turistas -embora o Château Cheval Blanc tenha sido um dos primeiros a erguer uma adega moderna, em 2011.

Mesmo no Médoc, no entanto, onde a classificação dos grand crus foi feita em 1855 e não muda, os produtores se preocupam com a imagem e o turismo.

“A reconstrução das caves também fez parte de uma estratégia para melhorar a imagem da propriedade, visto que recebemos muitos visitantes durante todo o ano”, diz Yann Schyler, sócio e diretor-geral do Château Kirwan, um Grand Cru Classé localizado em Margaux, no Médoc, e que no Brasil sai por mais de R$ 1.100 a garrafa.

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Terroir do Château Kirwan, localizado em Margaux, no Médoc, França - Divulgação

Outra questão importante é a ambiental. Bordeaux, assim como boa parte das regiões vinícolas da Europa, já está sentindo as consequências das mudanças climáticas e fazendo de tudo para ser ambientalmente correto.

Muitos vinhedos têm sido convertidos em orgânicos ou biodinâmicos, e os prédios novos são energeticamente eficientes. A nova adega do Château Valandraud (em média R$ 3.400 a unidade), em Saint-Émilion, por exemplo, é coberta metade por painéis de energia solar e metade por jardins.

“É uma adega bioclimática, energeticamente eficiente, semissubterrânea, ergonômica e com cobertura fotovoltaica”, diz Jean-Luc Thunevin, sócio e enólogo do Château Valandraud. “Tudo isso sem abrir mão de uma estética correspondente à classificação de patrimônio histórico da Unesco.”

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