Mais do que gostar de comer bem, àqueles que editam o jornalismo voltado à gastronomia são exigidos dois pré-requisitos: a curiosidade e o respeito por todos os tipos de culinária ao redor do globo. Em resumo, é fundamental ter a mente aberta para o que quer que se coloque no prato —e nas reportagens— à sua frente.
Como carne, bebo leite, consumo mel e ovos. Já quis parar com todos. O máximo que consegui foi eliminar das panelas em casa os animais em si, mas segui comprando seus derivados em formatos variados. Ser vegano, repetia mentalmente, dá muito trabalho.
A crença limitante vem em boa parte do que já encontrei em publicações específicas —por causa delas e de suas receitas pouco práticas, fez-se o preconceito. Mas o problema, ao que parece, é que este universo sem bichos funciona como tudo no mundo: tem seus maus e seus bons exemplos.
Patricia Helú é do segundo grupo. Cozinheira consultora de restaurantes, empresas e residências para as culinárias vegana e vegetariana, ela ministra cursos e workshops. Trabalhou como assistente da chef canadense de raw food Joanne Gerrard Young e estudou no Natural Gourmet Institut em Nova York.
Em seu currículo, também constam experiências com a comida macrobiótica e a nutrição ayurvédica. Seu “Divina Alquimia”, lançado em julho passado, reúne mais de 300 receitas sem ingredientes animais e sugere que, ao contrário do que se possa pensar, ser vegano não dá tanto trabalho assim.
O livro até traz pratos mais trabalhosos, com tempo de preparo que ultrapassa uma hora cheia. A própria autora, no entanto, se mostra a par dessa, que é apenas uma entre as falsa impressões dos carnívoros sobre veganismo, e propõe alternativas mais ligeiras.
É o caso do arroz integral com cúrcuma, da salada de minifolhas com picles de beterraba, manga e castanhas ao chimichurri, e do tartar de banana e carambola, que, combinados, formam uma refeição fresca e nutritiva.
As receitas são divididas em 11 capítulos e, na introdução, Patricia apresenta receitas-base que prometem facilitar o preparo dos pratos seguintes. São sugestões bem frugais, como o sal de especiarias e o sal verde, o gersal (tempero de origem japonesa) com nori ou simples, e uma pasta de alho.
Já o leite de amêndoas, um dos grandes astros do veganismo, aparece no capítulo “Banquete Árabe”, e vale para entrar não só nos pratos ensinados por Patricia, mas em outras receitas de doces e salgados sem produtos animais de outras autorias.
A autora sabe que fala também com leitores adeptos de dietas sem qualquer restrição, e inteligentemente oferece dois capítulos que podem agradar a quem sente falta do visual que as carnes proporcionam.
São eles “Churrasco”, com tofu coalho no palito e espetinho de legumes defumados, e “Parece, mas Não É”, com um impressionante lombo de jaca idêntico àquele com que carnívoros estão acostumados.
Já para substituir peixes, Patricia convoca o coco, que entra no ceviche, e os cogumelos, escalados para a moqueca. Em “Fast Food, há hambúrguer de falafel e nuggets de tofu defumado acompanhados de milkshake de banana com caramelo à base de leite de aveia.
São boas as dicas para evitar desperdício e as (poucas, mas muito válidas) propostas de substituição de ingredientes complicados de encontrar ou com preço salgado, derrubando, assim, outra barreira comum aos reticentes.
O maior brilho do livro está nas receitas de sobremesa, convidativas e inovadoras —o cheesecake, o caramelado de amêndoas e a bruxinha de doce deleite (assim mesmo, tudo junto) instigam o leitor a correr para a cozinha. Única ressalva é que poderiam estar todos reunidos em um capítulo temático, para facilitar a busca.
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