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Chefs vivem relação de amor e ódio com influenciadores de gastronomia

Perfis já têm mais poder para encher (ou esvaziar) restaurantes do que a crítica tradicional

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São Paulo

Já ouviu falar da Ana Carolina Soares e do José Luiz Soares? Você pode não ligar os nomes às pessoas, mas o casal à frente do perfil do Instagram dopaoaocaviar acumula 534 mil seguidores, que não perdem um post sobre as receitas que eles preparam em casa ou sobre os restaurantes e hotéis que visitam.

E Ian Oliver, sabe quem é? Formado em Letras, professor de cursinho pré-vestibular e aluno da escola de cozinha Le Cordon Bleu São Paulo, ele é o quase anônimo por trás do perfil ocritico.antigourmet, com 49.800 seguidores.

Tem também o Julio Bernardo, do botecodojb, cujo perfil soma 80.700 seguidores e se tornou uma pedra no sapato de muitos chefs e donos de restaurantes paulistanos.

Essa turma, ao lado de outros perfis influentes, como teddys_favorites (471 mil seguidores), gordoprofissional (226 mil), gaspaindica (211 mil) e boccanervosa (56 mil), é a nova cara de uma profissão que se transformou da água para o vinho nos últimos anos: o crítico gastronômico.

Influenciadores x críticos tradicionais na gastronomia
Catarina Pignato

Eles também passam a vida comendo em restaurantes e relatando suas experiências, o que influencia o público que busca referências na hora de decidir onde almoçar ou jantar. Como os decanos da profissão, podem conquistar desafetos com seus comentários nem sempre simpáticos –embora alguns deles se limitem a elogiar o que gostam, sem jamais apontar problemas publicamente.

Mas as semelhanças param por aí.

Com mais liberdade para estabelecer os próprios critérios, eles mantêm relações bem próximas com seu público, o que no jargão das mídias sociais se convencionou chamar de engajamento. Mas não se trata só de acumular curtidas e comentários.

Quando o post é positivo, os donos dos estabelecimentos não demoram a registrar salões mais cheios e pratos alçados à condição de best-sellers –uma relação de causa e efeito que, não faz muito tempo, era exclusividade das críticas publicadas em veículos de comunicação tradicionais.

A relação entre os chefs de cozinha e os novos críticos é de amor e ódio. "As redes sociais me ajudaram muito, cheguei a um lugar que nunca imaginei estar de forma tão rápida. Ao mesmo tempo, lido com gente que fala o que quer, como quer", diz Luiz Filipe, chef do restaurante Evvai.

"Críticas positivas massageiam o ego, mas não deixo que as negativas me tirem o sono. Esses críticos formados por eles mesmos têm grande alcance, mas não dou bola", retruca Renato Carioni, sócio do restaurante Così.

"Antigamente, a gente só tinha o trabalho analisado pelo Luiz Américo Camargo [ex-crítico do jornal O Estado de São Paulo], pelo Josimar Melo [crítico da Folha], pelo Arnaldo Lorençato [crítico da Veja São Paulo]. Éramos felizes e não sabíamos. As críticas eram construtivas, nos ajudavam a melhorar. Hoje tem gente causando tumulto no Instagram porque está esperando na fila", chia a chef Janaína Rueda, sócia do restaurante A Casa do Porco.

Poucos influenciadores acumulam tantas inimizades –e processos judiciais– quanto Julio Bernardo. Chef do Tujuína, Ivan Ralston conta que os posts do @botecodojb passaram dos elogios às críticas contundentes sem que ele entendesse por quê.

"O JB começou a me difamar, a me considerar o pior do Brasil, sem jamais voltar ao restaurante. É um desserviço à gastronomia e tem quem acredite no cara."

Ciente da fama que carrega, Bernardo admite que já perdeu a conta dos lugares onde virou persona non grata. Mas avisa: não se considera crítico, e, sim, cronista. "Só acabei conhecido dessa forma porque meu pensamento sempre foi crítico, mas não vou ser fiscal de adjetivo. Me chamem como quiserem", diz, com a acidez que já virou a identidade de seus textos.

Profissionais da velha guarda também enxergam essa nova concorrência com ressalvas. Para a crítica Ailin Aleixo, que iniciou a carreira em revistas, migrou para a internet com o blog Gastrolândia e hoje está na TV, como jurada do reality show Top Chef Brasil, na Record, a maior parte dos influenciadores escreve sobre o assunto para comer de graça.

"Nem todo mundo que come está apto para falar sobre comida. Há uma grande diferença entre ser crítico e dar opinião."

Com 14 anos de experiência como crítico do extinto Guia 4Rodas, que se notabilizou pelos critérios rígidos na avaliação de restaurantes em todo o país, o jornalista Ricardo Castanho lembra que o anonimato dos avaliadores era inegociável.

"Se fôssemos conhecidos, daríamos chance para o restaurante preparar algo acima da média. O anonimato é fundamental para avaliar um restaurante no seu normal de atendimento e qualidade de comida", defende.

Na era das câmeras dos celulares sempre em punho, o anonimato virou utopia. Ian Oliver não exibe foto nem nome no perfil @ocritico.antigourmet. Ainda assim, foi desmascarado –e seus textos ácidos, que geralmente terminam em notas de zero a dez, não ajudam a torná-lo popular entre chefs e donos de restaurantes.

"Já cancelaram minha reserva porque descobriram quem eu era, impressionante o nível de insegurança de alguns chefs."

O fato é que, apesar dos riscos, quem quiser ser relevante no setor da restauração não pode mais ignorar os influenciadores digitais. Eles têm poder de encher salões, mas também de fazer estragos.

Sócia da agência Documennta, que gerencia as redes sociais de vários restaurantes, entre eles A Casa do Porco, Maria Vargas conta que estar no ranking 50 Best, como o 17º melhor do mundo, não exime a casa dos Rueda da maledicência online.

"Críticas corriqueiras a gente responde educadamente, tenta entender o que aconteceu. Mas um post agressivo pode gerar uma crise enorme, porque todo mundo vai compartilhando e logo cai no WhatsApp. Passamos o tempo todo gerenciando crises de clientes, tudo em tempo real."

Até mesmo os prêmios gastronômicos tradicionais, como as cobiçadas estrelas conferidas pelo Guia Michelin e o ranking internacional 50 Best, já parecem ter menos alcance que os influenciadores.

Essa é a opinião de Rosa Moraes, atual presidente da academia do World 50 Best para o Brasil.

"Muita gente ainda faz turismo gastronômico pautada pelo Michelin e pelo 50 Best, e a mídia tradicional ainda é muito relevante para uma fatia do público, especialmente os mais velhos. Mas acho que as redes sociais têm mesmo mais alcance. Tem restaurante que já dispensou o profissional de relações públicas e só mantém um perfil bem feito no Instagram."

Apesar da atenção que as redes sociais demandam, a empresária Deni Bloch, responsável pelas mídias sociais de diversos restaurantes, entre eles o Tujuína, acha positivo que a crítica esteja mais pulverizada.

"Os influenciadores são a nova mídia, não tem jeito. E tudo bem que o público goste desses caras. Podem não ser críticos, e daí?"

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