Febre em São Paulo, hambúrguer de wagyu é iguaria ou ostentação?

Carne é cara por causa da maciez; críticos dizem que qualquer carne fica macia quando moída

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

Depois do hambúrguer artesanal, do hambúrguer gourmet e do hambúrguer de picanha, chegamos ao cúmulo (será?) do luxo no pão com carne moída: o hambúrguer de wagyu.

Você nem precisa sair de casa para perceber que o negócio está em alta. É só passear pelos aplicativos de entrega para topar com sanduíches de R$ 40, de R$ 50, de R$ 65. Meros hambúrgueres, mas com carne de gado wagyu. Dizem.

Wagyu é o nome genérico das raças bovinas desenvolvidas no Japão. São animais confinados e superalimentados, portanto têm muita gordura entremeada na fibra muscular e carne extremamente macia. O preço atinge as raias do absurdo, chegando a ultrapassar os R$ 1.000 por quilo.

Parece sensato moer e encher de ketchup um produto assim? Existe uma pequena controvérsia.

Hambúrguer de wagyu da lanchonete Koburguer - Divulgação

Os defensores do hambúrguer wagyu têm dois bons argumentos:

1) Usam-se retalhos de carne e cortes de pouco valor comercial, que não seriam aproveitados de outra forma;

2) A gordura do animal tem um sabor especial.

Já os dois principais argumentos contrários são bastante contundentes:

1) É desnecessário usar carne tão cara;

2) Não dá para saber se você recebe o que compra.

O chef Thiago Gil comanda a hamburgueria Koburger, em Pinheiros. O nome da casa se refere à cidade de Kobe, de onde saem os mais famosos bifes do Japão. Todos os sanduíches da Koburger são feitos com wagyu e custam entre R$ 34 e R$ 51,90 no iFood.

"Fica viável porque temos o controle de toda a cadeia da produção", diz Thiago. Seus sócios vêm das fazendas KenStar, o maior rebanho de wagyu do Brasil, e do frigorífico Cowpig, que abate os bois e prepara os hambúrgueres para a lanchonete.

"Eles chegam congelados, embalados e com o selo de certificação", conta o chef. "Quando algum cliente desconfia da procedência da carne, mostro o selo."

Thiago concorda que a desconfiança é legítima. "Sei que vários lugares enganam os fregueses e servem outra carne como se fosse wagyu."

"A maioria dos hambúrgueres de wagyu não têm nada de wagyu", afirma Gil Guimarães, dono da hamburgueria Parrilla Burger, em Brasília. "E, mesmo se for de wagyu, não faz sentido para mim."

É o paradoxo do hambúrguer de wagyu. O prestígio dessa carne vem da extrema maciez -quando moída, porém, qualquer carne fica macia devido ao rompimento das fibras.

Gil defende o emprego dos animais de genética zebu, com origem indiana, predominante em nossos pastos. "Usar o zebu é maravilhoso. Temos o nelore, muito mais barato e saborosíssimo."

O açougueiro Joel Oliveira, das Carnes Paraguassu, em Perdizes, tem opinião semelhante. "Eu faço hambúrguer de angus porque 80% a 90% da carne que eu recebo é de angus", conta. "Mas não precisaria fazer."

Joel evita criticar duramente quem vende hambúrguer de wagyu —ele não vende– e diz que o processo de desossa e limpeza dos cortes pode tornar a carne acessível. "Quase todo hambúrguer é feito com retalhos de carne e de gordura que sobram desse processo."

Thiago afirma seu blend –mistura de carnes– vem de três procedências: aparas da limpeza do peito e do acém, mais a peça inteira do pescoço do boi. São partes que nunca poderiam ser vendidas a altos preços em açougues de luxo como o Paraguassu.

Então por que o frenesi, o frisson, o hype, fogo na raba com o hambúrguer de wagyu? Aparentemente, a chave está na composição da gordura do bicho, que se farta de ração até quase explodir.

"A gordura do wagyu tem gosto de manteiga", diz Joel. "Já vieram me perguntar se eu havia posto manteiga no sanduíche", diz Thiago. "Só que eu não passo manteiga no pão."

Ele nega que tal diferencial faça o hambúrguer de wagyu melhor do que os outros. "Não tem melhor ou pior, vantagem ou desvantagem. É tudo questão de gosto."

E há quem odeie com força essa coisa de wagyu moído. "Hambúrguer de wagyu é uma das coisas mais toscas que tem para você fazer", afirma Paulo Yoller, da Meats, também em Pinheiros. "Eu não gosto. Eu acho que fica rançoso."

Para Paulo, tal preparo estraga o sabor dessa carne. "O wagyu é feito para comer só ele, grelhadinho na chapa."

Apesar de torcer o nariz, Gil diz que o hambúrguer de wagyu tem seu público. "Enquanto tiver quem venda e quem pague, tudo bem."

Falando em pagar, Thiago conta que ele e os sócios tentaram vender mais barato o sanduíche de wagyu, mas não funcionou. "A ideia era popularizar, daí as pessoas vinham e diziam: ‘com esse preço, não é wagyu de jeito nenhum’."

Então eles aumentaram o preço, e as vendas subiram a reboque. Coisas do capitalismo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.