Chefs internacionais invadem São Paulo com novos projetos

Daniel Burns, do Corrutela, se junta a nomes já estabelecidos como Eduardo Ortiz e Gerard Barberan

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Daniel Burns, novo chef de cozinha, no restaurante Corrutela Gabriel Cabral/Folhapress

São Paulo

A alcunha de "capital gastronômica internacional" sempre pareceu um pouco exagerada quando atribuída a São Paulo, cidade que, no entanto, se orgulha de ter restaurantes com cozinhas do mundo todo, de Angola a Venezuela.

Mas o pomposo aposto tem feito cada vez mais sentido à medida que consagrados chefs internacionais têm escolhido a capital paulista como endereço para seus projetos, comprovando o papel dela no cenário da gastronomia global.

O mais recente deles é o canadense Daniel Burs, que conquistou reputação na cena nova-iorquina com seu estrelado restaurante Luksus depois de ter passado por restaurantes mundialmente famosos, como o Noma (Dinamarca) e o The Fat Duck (Inglaterra).

Ele assume a cozinha do Corrutela, restaurante da Vila Madalena que se tornou conhecido por seu trabalho com a sustentabilidade e que reabre nas próximas semanas depois de um hiato de quase um ano provocado pela pandemia —o restaurante anunciou o fechamento em abril de 2021.

O novo chef Daniel Burns posa no Corrutela, na Vila Madalena - Gabriel Cabral/Folhapress

O chef canadense vai substituir César Costa, que continua como sócio do restaurante e com o cargo de um chef executivo, como explica. "Isso significa que eu sigo no conselho", brinca.

Costa afirma ser cada vez mais importante a ideia de profissionalização das cozinhas, como acontece em empresas. "É normal de tempos em tempos trocar o CEO. É como eu vejo o que estamos fazendo aqui", explica.

Na rotina do restaurante, estará Burns, que já tem se dedicado a criar os pratos novos —como a cabotiã servida com creme de castanha de caju e folhas de mostarda, ou o cracker de polenta com mousse de fígado de galinha e rabanetes.

"É a mesma banda, mas com um novo vocalista", resume Costa, para quem a vinda do amigo internacional só enaltece ainda mais o panorama gastronômico da cidade.

O chef canadense é o mais novo recém-chegado de um fluxo que se intensificou principalmente nos últimos três anos, quando restaurantes comandados por mexicanos, argentinos e espanhóis ganharam destaque em uma cidade que soma cerca de 70 mil empresas no setor de restauração (entre lanchonetes, restaurantes e bares), segundo a Abrasel.

"Eu já tinha visitado São Paulo e conhecido seu potencial na gastronomia. Mas a ideia de agora poder vir para assumir um restaurante aqui é desafiadora, mas muito excitante", afirma Burns.

Para ele, é um grande estímulo lidar com ingredientes e uma cultura nova, mas diz que, na sua visão, a cidade está em um excelente momento em termos de ofertas e restaurantes.

"Há conceitos muito interessantes aqui, que poderiam estar em qualquer outra grande cidade do mundo, com certeza", afirma. Mas diz que reconhece na capital uma "energia que torna também tudo muito autêntico". "Vim com esse olhar fresco para tentar entender o que eu posso somar a uma cena já tão vibrante", conclui.

O chef catalão Gerard Barberan também se encantou com a efervescência da gastronomia paulistana desde a primeira vez que pisou na cidade. "Não tenho dúvidas de que, neste sentido, é uma capital comparável com Nova York e Londres", afirma.

Como chef executivo de projetos como a Bottega Bernacca, de cozinha italiana, e do japonês Kuro, ele é testemunha dessa evolução gastronômica pela qual passa São Paulo.

"No começo, era difícil convencer o cliente local a comer algo diferente: ele queria sempre a mesma massa, o mesmo peixe. Mas não tenho dúvida de que o paulistano está muito mais aberto hoje, o que tem permitido muitos projetos de surgirem aqui", acredita.

Ainda que seja uma cidade ainda "muito difícil" em termos logísticos e de mão de obra, ele se diz surpreso com o potencial de adaptabilidade de São Paulo a novos conceitos.

"É uma cidade muito dinâmica, democrática", afirma Barberan, que acaba de inaugurar também um bar de coquetelaria, o Gran Bar Bernacca, no Itaim. "Este é outro universo que se expandiu de forma potencial na cidade", explica. "Uma prova de como as coisas têm outra velocidade em São Paulo."

Para ele, o trabalho prévio de muitos profissionais na cidade, como o grupo Fasano, ajudou a formar uma base para o setor de restauração na capital, elevando o nível de cozinha e serviço que se tornaram uma marca da cena paulistana.

Historicamente, aliás, os restaurantes em São Paulo se desenvolveram essencialmente com a vinda de imigrantes de países como Itália, Espanha, França e Líbano, que se estabeleceram por aqui e fundaram muitas das casas pioneiras da cidade —que abriram os caminhos depois para os próprios chefs brasileiros.

Essa abertura aos chefs de fora continua ainda hoje, mas agora atraindo também talentos da cozinha que deliberadamente escolheram trocar cidades como Nova York ou Barcelona para desenvolverem seus negócios aqui.

É o caso do mexicano Eduardo Ortiz, que antes de abrir o Metzi, no final de 2019, no bairro de Pinheiros, se dedicava à cozinha do Cosme, um dos mais prestigiosos restaurantes de Nova York, do premiado chef Enrique Olvera.

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Chef Eduardo Ortiz e a mulher Luana Sabino - Divulgação

Ele e a mulher, a brasileira Luana Sabino, queriam abrir o próprio restaurante e cogitaram ir para a Europa para consumar os planos. "Mas ela me contou de São Paulo e me convenceu da oportunidade que tínhamos, já que a oferta mexicana ainda é fraca na cidade", justifica.

"Cheguei e lembro que logo pensei: ‘essa é a Nova York da América Latina’", relembra ele, que nunca tinha estado no Brasil. "É uma cidade fantástica, que leva hospitalidade muito a sério."

Do ponto de vista do negócio, foi um princípio complicado por conta da pandemia. Mas Ortiz conta que ficou impressionado com a receptividade que teve, tanto do lado pessoal quanto da cozinha que queriam oferecer.

"No princípio, as pessoas perguntavam por burrito, pediam cheddar. Aos poucos, mostramos nossa proposta e acho que fomos bem aceitos. Confesso que achei que essa adaptação nos custaria mais tempo."

Ortiz também conta que, em relação a produtos, hoje já consegue encontrar muitas coisas que são indispensáveis para sua cozinha como pimentas, tomatillo (fruto nativo mexicano) e até o nopal, o cacto que é tão usado na cozinha de seu país.

"Você conta o que precisa e os produtores se esforçam para conseguir fornecer, outros chefs indicam onde encontrar. O brasileiro te acolhe muito bem, é algo muito particular daqui", acredita.

Isso, segundo ele, também é um dos motivos que, se a princípio não é o que atrai primeiro os chefs internacionais, é certamente algo que os faz ficar. "Acho que muitos vêm pela dinâmica da cidade, a diversidade de clientela, mas fica pelo que nem esperava encontrar. Já digo que me sinto em casa."

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