Azeite nacional tem colheita recorde e começa a chegar ao mercado

Safra 2022 tem volume, mas preços ainda estarão elevados

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Olival da Lagar, produtora de azeite nacional Carlos Ferrari/Divulgação

São Paulo

Os produtores brasileiros de azeite estão sorrindo de orelha a orelha —a safra 2022 promete bater todos os recordes de produção e chegar perto de inéditos 290 mil litros, um crescimento de 20% em relação a 2021.

A natureza deu uma forcinha nas duas principais regiões produtoras do país, Rio Grande do Sul e Serra da Mantiqueira.

Segundo o consultor Paulo Freitas, o último inverno foi mais seco, com dias quentes e noites bem frias, o que fez com que as azeitonas chegassem ao ponto certo de maturação mais perto do fim do verão, com até 30 dias de atraso em relação ao ano passado. "Com isso, os produtores conseguiram concentrar boa parte da colheita fora da época das chuvas", explica.

Outros fatores contribuíram. Após pouco mais de uma década de experiência, os pioneiros já lidam com oliveiras mais desenvolvidas, produzindo muito mais frutos por pé.

Ao mesmo tempo, eles começam finalmente a dominar os segredos do cultivo —trabalhando em circunstâncias muito particulares de solo e clima, os olivocultores brasileiros pouco puderam aproveitar das tradições de outros países e foram obrigados a desenvolver protocolos praticamente do zero.

"Acho que, agora, todo mundo está acertando a mão na hora da colheita e no modo de processar as azeitonas", arrisca Rafael Marchetti, da gaúcha Prosperato, uma das maiores do país.

Seu olival de 250 hectares, localizado em Caçapava do Sul (RS), deu tanta azeitona este ano que a colheita se prolongou muito além do esperado —começou na primeira semana de fevereiro e só deve terminar no fim de abril. "Nunca ficamos tantos dias colhendo", atesta o produtor, que estima chegar a 500 toneladas de frutos. Ano passado, foram 350.

Os produtores da Serra da Mantiqueira estão igualmente animados. Moacir Carvalho Dias, da Fazenda Irarema, na fronteira entre São Sebastião da Grama (SP) e Poços de Caldas (MG), viu a produção dobrar em relação ao ano passado –a safra atual de 80 toneladas de frutos, já colhidos, rendeu 8 mil litros de azeite extravirgem.

A quantidade de marcas cresce a cada ano. Autor de "Extrafresco – O guia de azeites do Brasil", cuja nova edição chega às livrarias em junho, Sandro Marques registrou 120, 20% a mais do que em 2021.

Entre as mais jovens estão a Lagar H, de Cachoeira do Sul (RS), e a Sabiá, cujos olivais ocupam duas propriedades, uma em Santo Antônio do Pinhal (SP) e outra em Encruzilhada do Sul (RS).

Azeitonas da produtora de azeite Borriello - Rafael Luzivetto/Divulgação

Também há novas regiões produtoras entrando na lista —é o caso do azeite Davo, de Ribeirão Branco (SP), que fica no Vale do Ribeira, e do Aracê, produzido em Domingos Martins (ES), cuja primeira safra ainda não atingiu escala comercial.

A região Sul, onde grandes propriedades de relevo plano permitem a mecanização da colheita, segue campeã em termos de volume. Dos 240 mil litros de azeite produzidos no Brasil em 2021, 202 mil vieram de produtores gaúchos.

Mas a produção da Mantiqueira começa a mudar de cara. Embora os terrenos íngremes continuem inviabilizando a mecanização, há cada vez mais olivocultores investindo pesado em grandes plantações e lagares com alta capacidade.

Propriedade da família Marinho, a Fazenda Rainha, em São Sebastião da Grama (SP), já tem 90 hectares plantados. É lá que, desde 2020, se produz o azeite Orfeu, novo braço da marca que se tornou famosa pelo café —a safra 2022, lançada em 5 de abril, chegou a 20 mil litros de azeite. No e-commerce próprio, as garrafas de 350 ml custam entre R$ 189 e R$ 249.

Os rótulos nacionais têm feito bonito no exterior e abocanhado prêmios em importantes competições internacionais, como a italiana EVO International Olive Oil Contest, a NYIOOC World Olive Oil Competition, nos Estados Unidos, e a Terraolivo, em Israel. Para a sommelière de azeites Ana Beloto, eles já têm identidade própria.

"Nos concursos internacionais dos quais sou jurada, sempre com provas às cegas, o azeite brasileiro demonstra frescor de aroma e notas sensoriais muito características, como a couve dos quintais mineiros e frutas tropicais, como maracujá."

Os rótulos monovarietais ganharam especial destaque na safra 2022 —com pomares mais desenvolvidos, os produtores já conseguem colher volumes maiores de cada variedade de azeitona e processá-las separadamente, o que permite ao consumidor identificar as características de cada uma. É como comprar um vinho pela uva preferida.

Mais delicada, a arbequina é considerada a porta de entrada para os azeites nacionais. Na outra ponta, variedades como a picual rendem azeites potentes, com maior teor de amargor e picância.

Mesmo os blends mais suaves, no entanto, entregam um frescor que não costuma ser percebido nos azeites importados. A razão está na rapidez com que os frutos ainda verdes são colhidos, processados, envasados e postos à venda.

A Irarema acaba de lançar um novo rótulo, o Azeite 2H, que nasceu de um desafio entre Dias e seu pai. "Parei a fazenda para viabilizar a logística. Entre a colheita e o engarrafamento, levamos só duas horas", comemora o produtor, que limitou o lote a 800 unidades. Envazado em garrafão de porcelana de 750 ml, é vendido por R$ 179,90 na loja online da marca.

A produção ainda reduzida não permite que os azeites nacionais cheguem à maioria das redes de varejo, mas há exceções. O gaúcho Batalha pode ser encontrado no Pão de Açúcar a R$ 59,99 (500 ml). A rede St Marche e o empório de luxo Casa Santa Luzia reservam espaço ainda maior para os rótulos brasileiros –um dos primeiros a chegar ao St Marche este ano, o Borriello, da Mantiqueira, sai por R$ 129,90 (500 ml).

O preço alto ainda é um problema. A culpa, alegam os produtores, é da falta de escala, já que nenhum olivocultor brasileiro chega perto do volume que as grandes marcas importadas produzem. Nem mesmo o recorde de colheita deste ano deve mudar o cenário –em função do aumento dos insumos, os novos azeites estão chegando ao mercado, em média, 20% mais caros do que os da safra passada.

.
Plantação da Orfeu - Gustavo Morita/Divulgação

"As garrafas aumentaram 60%, as tampas dobraram de preço e a ureia que usamos como fertilizante subiu 500%", reclama Moacir Carvalho Dias, da Fazenda Irarema, que cobra R$ 54,90 pela garrafa de 250 ml dos blends Intenso ou Suave.

Os restaurantes paulistanos têm sido importantes meios de divulgação para os azeites brasileiros. Carla Retuci, produtora do Borriello, de Andradas (MG), vende para eles até 70% da produção. Para esse mercado, Retuci criou embalagens bag-in-box de 5 litros e garrafinhas especiais para ser levadas à mesa.

"Também ofereço treinamento para equipes de cozinha e salão, porque a maioria não tem noção de como se produz azeite. Os restaurantes são muito importantes para nós, porque as pessoas provam e logo perguntam onde podem comprar", diz a produtora.

Outra forma de conquistar novos consumidores é o olivoturismo. Localizada em São Bento do Sapucaí (SP), a Oliq promove visitas guiadas com degustação de hora em hora e já dispõe de restaurante. Em um mês de férias, com julho, a propriedade chega a receber 1.000 visitantes, que pagam R$ 39 pela experiência.

A Irarema, que também mantém restaurante e porteiras sempre abertas, chega a receber mais de 1.400 pessoas em um único feriado prolongado. Os visitantes, segundo Dias, arrematam metade da produção de cada safra.

"Esse negócio de turismo é a melhor coisa do mundo, o que nos sustenta", admite.

Para o publicitário Bob Vieira da Costa, proprietário da Sabiá, a cultura do azeite extravirgem é recente até mesmo para os europeus e abrir a porteira da fazenda para turistas encurta a distância entre público e produtor. "Nas degustações que promovemos, oferecemos azeites nossos e, no meio, colocamos um de escala industrual. Todos se surpreendem e acabam virando clientes fiéis."

Quem não quiser visitar os produtores já consegue encontrar os primeiros vidros de azeite da safra 2022 nos sites das marcas. É hora de produtos especiais como o azeite novello da gaúcha Ouro de Sant’Ana (R$ 60, 250 ml). Extraído de azeitonas bem verdes e envasado sem ser filtrado, tem aromas e sabores concentrados —mas a edição é limitada e tem prazo de validade curto, de apenas quatro meses.

Mesmo quando toda a safra 2022 estiver à venda, é bom não esperar muito. Como a produção nacional é pequena, geralmente se esgota entre agosto e setembro. Depois, só no ano que vem.


Saiba escolher

  • Mais importante do que o grau de acidez, que deve ser no máximo 0,8% nos extravirgens, é conferir a data de envase. Azeites devem ser consumidos frescos —com o tempo, vão oxidando e perdendo aromas.
  • O varietal de arbequina é o mais suave, enquanto os de arbosana e frantoio têm corpo médio e os de azeitonas koroneiki, grappolo, galega e picual tendem a ser mais intensos.
  • Quanto mais intenso, mais amargo e picante o azeite —mas a picância não tem a ver com adição de pimenta, mas com a sensação rascante que deixa na garganta.
  • Algumas das mais conhecidas marcas importadas têm preços mais baixos porque engarrafam azeites de diversos produtores sem muito critério, para baratear os custos. Azeite extravirgem de alta qualidade é caro em qualquer lugar.
.
Garrafa de arbequina da Sabiá, marca nacional de azeite - Divulgação

Para comprar

Borriello – azeiteborriello.com.br

Davo – hotelevinicoladavo.com.br

Lagar H – lagarh.com

Orfeu – loja.cafeorfeu.com.br

Ouro de Sant’Ana - loja.ourodesantana.com.br

Prosperato – emporio.prosperato.com.br

Para visitar

Iraremafazendairarema.com.br

Oliqoliq.com.br

Sabiáazeitesabia.com.br

Para aprender

"Azeite-se – Histórias, curiosidades, receitas", de Ana Beloto (edição independente), 290 pág., R$ 129,90

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.