Chefs famosos inventam receitas usando lula e chuchu

Molusco e legume são grande estrela de pratos criados a pedido da Folha

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Kike Martins da Costa
São Paulo

Pelo que todas as pesquisas eleitorais indicam, pode ser que a partir de janeiro de 2023 o Brasil passe a consumir mais lula com chuchu.

Quando começou a ser ventilada, a parceria a princípio pareceu escalafobética e improvável. Mas a verdade é que os dois ingredientes tão distintos —um vem da serra, e o outro, do mar— podem formar uma dupla cheia de sabor, de borogodó e de significados, ao menos no mundo da gastronomia.

A dupla lula e chuchu

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De salada a lasanha, veja como chefs combinariam os dois ingredientes

"Combinar frutos do mar com chuchu é um clássico da culinária brasileira, como o ensopadinho de camarão eternizado por Carmen Miranda", lembra Janaína Rueda, do Bar da Dona Onça.

"Com esses dois ingredientes em mãos, eu faria um arroz de lula com chuchu crocante. Para deixar o prato ainda mais saboroso, usaria no cozimento do arroz um bom caldo de cabeça de peixe. Seria um prato bem brasileiro, com sabor de união e de empatia", completa a chef.

De fato, quando unem forças, a lula deixa o chuchu menos insosso e o chuchu atenua a agressividade da lula.

"A lula é intensa no sabor, e o chuchu traz leveza. Essa união tem uma complexidade muito interessante. Se me pedissem um prato com esses dois ingredientes, eu faria uma lula empanada na tapioca e a serviria com um vinagrete de chuchu. Fica uma delícia!", avalia a chef Bel Coelho, do Cuia Café.

"Pra mim, essa combinação tem gosto de esperança e de vitória, ela é um verdadeiro remédio contra a barbárie."

As chefs Gabriela Barretto (do Chou e do Futuro Refeitório) e Kátia Barbosa (do Aconchego Carioca), também apoiam a aproximação entre a lula e o chuchu. "Existem momentos em que o importante é somar. Às vezes, a lula sozinha não resolve tudo, e é aí que entra o chuchu, para descomplicar um pouco as coisas", insinua Gabriela.

"Essa combinação é comida de verdade, com sustança. Eu usaria o chuchu e a lula para fazer uma salada com o frescor que estamos precisando nesse momento, temperadinha com cebola roxa, coentro, pimenta dedo-de-moça e limão tahiti."

"Pra mim, quem criou essa mistura entende de humildade, de esperança e de fé em dias melhores. A lula é cheia de personalidade, mas o chuchu traz singeleza e um toque comfort à mistura. Eu faria um bolinho, bem temperado, com bastante pimenta, alho, cebola, limão e coentro", imagina Barbosa, que também trabalha como jurada do programa "Mestre do Sabor", da TV Globo.

Rodrigo Oliveira acredita que essa parceria de lula com chuchu pode ser uma solução para azia e queimação. "A lula tem mais sabor, enquanto o chuchu possui um paladar discreto e apaziguante. Eles se equilibram e se complementam", resume o chef dos restaurantes Mocotó e Balaio.

"Eu uniria as qualidades dos dois para preparar lulinhas na brasa e as serviria com chuchu refogado em cebola, alho e pimenta-de-cheiro para uma alegrada. Por cima de tudo, bastante cheiro verde", sugere.

Além de combater problemas gástricos, a dupla lula-chuchu pode fazer mais, segundo a mineira Bruna Martins, chef do restaurante Florestal, do boteco Birosca e do wine bar Gira, de Belo Horizonte.

"Lula e chuchu dão origem a um prato cheio que vai tirar o Brasil do Mapa da Fome das Nações Unidas. Essa combinação tem gosto de vitória, de perspectiva, de fartura. Vamos deixar quem sabe cozinhar fazer a comida", milita a chef, que recomenda o preparo de um gostoso suflê com a dupla de ingredientes.

Já Larissa Januário, influencer e apresentadora do programa "Jantar o Quê?", do canal Sabor & Arte, propõe uma união ainda mais radical da chapa formada pelo molusco e o legume: "Eu montaria uma ‘lulasanha’, com camadas intercaladas de chuchu em lâminas finas e um molho de lulinhas refogadas com tomate".

"Antes da montagem, eu passaria o chuchu na frigideira para deixá-lo tostado e mais crocante, depois temperaria só com azeite, sal e pimenta do reino. Ao final, no forno, eu polvilharia essa lasanha com um pouco de mollica [espécie de farofa típica da região italiana da Basilicata feita com migalhas de pão, alho e ervas] para dar aquela gratinada e trazer ainda mais uma textura", sugere a cozinheira.

Para ela, "essa é uma receita criada para agradar todo mundo, um jeito novo de fazer coisas velhas".

Mas Larissa avisa que é preciso tomar alguns cuidados básicos para que a parceria dê certo: não adicione queijo, porque ele não cai bem com as lulas; e tome cuidado para manter as texturas dos ingredientes. Se cozinhar demais, o chuchu fica molenga e a lula, dura. Como na icônica frase, "Hay que endurecer, pero sin perder la ternura jamás!".

Outro alerta importante vem de Roberta Sudbrack, gaúcha radicada no Rio e uma das maiores estudiosas sobre ingredientes brasileiros pouco valorizados —como o chuchu, quiabo, maxixe, jiló, jaca e fruta-pão.

"O chuchu é mal interpretado e mal utilizado. As receitas mais populares o manipulam da pior maneira possível. O legume tem quase 90% de água na sua composição, então porque será que a maioria dos brasileiros sempre o utiliza em ensopados? É como juntar água com água!", queixa-se a chef, dona do restaurante Sud, o Pássaro Verde.

Para ela, as possibilidades para a dupla chuchu-lula são infinitas na cozinha. O importante é potencializar o sabor do chuchu, ao contrário do que acontece num ensopado.

"Partindo dessa premissa, eu buscaria uma receita que preserva a crocância original dos dois. Faria uma salada com lâminas de chuchu grelhado e defumado, junto com uma conserva de lulas marinadas por alguns dias em temperos brasileiros", começa.

"Finalizaria com folhas de beterraba e de hortelã e um molho à base de leite de amendoim torrado. O que gente está precisando neste momento é disso: de muito frescor, alegria e libertação."

Chef do restaurante 31, no centro de São Paulo, Raphael Vieira acredita que lula pode até melhorar chuchu, "que é bem sem sal", mas isso, para ele, não significa que não existam combinações melhores para uma lula.

"Para usar chuchu, só pode estar desesperado", entende. Para ele, porém, as condições atuais talvez perdoem a escolha. "No atual contexto econômico, em que até tomate está caro, usar chuchu no desespero é válido."

Erramos: o texto foi alterado

O nome do restaurante da mineira Bruna Martins é Florestal, e não Campestre, como dizia o texto. A informação foi corrigida.

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