Caldo em tablete faz parte da história das famílias, mas não é a única opção

Chefs sugerem como alternativa os caldos caseiros, que 'não são um bicho de sete cabeças' de preparar

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Katherina Cordás
São Paulo

Poucos ingredientes representam tão bem a dualidade entre a preocupação com a saúde e a concessão à praticidade na cozinha quanto os caldos em forma de tablete. Enquanto os vigilantes se preocupam com os malefícios de seu uso, os cozinheiros do mundo moderno —e corrido— se justificam lembrando que, para produzir um rico e saboroso caldo caseiro, que adicione camadas de sabor a uma receita, é preciso cozinhá-lo por horas e horas.

Caldos caseiros e industrializados são comumente feitos dos mesmos ingredientes: proteínas, vegetais e temperos. A diferença é que, nos caseiros, os ingredientes são usados em sua forma fresca e natural, enquanto nos industriais esses elementos são liofilizados e, então, acrescidos de sódio, conservantes e aromatizantes artificiais.

Salsão, cenouras, alho e cebolas fazem parte de receita para preparo de caldo caseiro - Isadora Brant/Folhapress

"Os caldos industrializados não são vilões por si só. Se utilizados dentro de um contexto de alimentação equilibrada, eles são facilitadores para o consumo de alimentos caseiros e saudáveis, uma vez que fornecem sabor e podem ser ferramentas importantes para estimular, por exemplo, o aumento do consumo de vegetais", acredita Gisele Bannwart, nutricionista e engenheira de alimentos.

Natália Santos, chef da Unilever, diz que os caldos da Knorr, marca parte do guarda-chuva da empresa, não possuem conservantes adicionados às fórmulas e são feitos com ingredientes cultivados de maneira sustentável.

"A Knorr vem reformulando seu portfólio ao longo dos tempos para melhor atender às necessidades dos consumidores e trouxe recentemente ao mercado inovações como a linha zero sal. É comum encontrar cadernos de receitas que passam de geração em geração, e as receitas de família mais icônicas e saborosas possuem caldo Knorr no seu preparo."

De fato, é inegável a presença dos caldos industriais nas cozinhas do país. Para o sociólogo Carlos Alberto Dória, os caldos fazem parte da culinária, sejam originados nas soluções industriais ou feitos no momento.

"Mas os caldos industrializados, isto é, os liofilizados, substituíram caldos caseiros por razões de praticidade e não pela criação de um novo hábito alimentar ou coisa do gênero. A resistência a esses caldos se deve ao seu excesso de interferência química no sentido de preservar proteínas", diz Dória.

Caldo em tablete faz parte da história das famílias, diz o sociólogo Carlos Alberto Dória - Petr Malyshev - stock.adobe.com

"O caldo de carne foi inventado em 1850 e pouco. Essa inovação foi muito utilizada no Rio Grande do Sul ainda no século 19, quando se pesquisava a produção de formas de acondicionar carnes e seus derivados para exportação. Esses caldos de preparação imediata repetem esse procedimento, que é transportar o elemento proteico e reidratar no local de consumo."

"Quando minha mãe descobriu os tabletinhos mágicos de caldos, passou a usá-los", lembra a chef do restaurante Tordesilhas e pesquisadora da cozinha brasileira, Mara Salles. "Ela, mesmo sem conhecer o sabor umami, instintivamente explorava o sabor do glutamato natural do tomate, parmesão, couve-flor e fazia isso com maestria para suprir a ausência da carne em tempos difíceis."

"Porém, quando preparava legumes de sabores menos marcantes como abobrinha, chuchu, e até algumas sopas sem proteína, sempre argumentava que 'com um caldinho de carne isso fica uma delícia', e ficava mesmo."

Para Helena Rizzo, chef do Maní e apresentadora do programa Masterchef, os caldos industrializados chegaram por meio de seu pai. "Ele fazia muitos risotos, paellas, e volta e meia botava um pedacinho do caldinho de tablete, e a gente gostava muito da comida dele", conta.

"Quando eu comecei a trabalhar com comida, meu pai também foi se envolvendo cada vez mais com a cozinha. Eu implicava com ele toda vez que ele usava caldinho de tablete em casa e, hoje em dia, ele não usa mais."

Com uma grande pesquisa sobre caldos, o chef mineiro Caio Soter, à frente do restaurante Pacato, em Belo Horizonte, acredita que a memória afetiva do brasileiro é "constituída à base do caldo de tablete".

"Na minha família se usava e eu acredito que eles fazem parte da cultura culinária do brasileiro, trouxeram praticidade para uma vida mais corrida. Mas acho que é um comportamento do qual devemos buscar nos afastar. De qualquer forma, só de falar sobre caldo de tablete, já me dá água na boca", brinca.

A água na boca, no entanto, não é à toa. Muitos dos caldos têm uma porcentagem de glutamato monossódico, o umami, mais conhecido como o quinto sabor, presente de forma natural em ingredientes como tomate, cogumelos e queijo parmesão.

"Não tenho dúvidas de que esses caldos industrializados são muito práticos e em tempos de fome, como agora, podem trazer a lembrança da carne, mas a um custo muito alto para a saúde", pontua Mara Salles.

"Eu consigo identificar uma comida na qual vai caldo industrializado. Fica com aquele gostinho artificial, que acaba mascarando muitas vezes o sabor dos outros ingredientes", garante Helena Rizzo.

Betty Kovesi, à frente da Escola Wilma Kovesi de Cozinha, em Pinheiros, conta como o assunto é abordado em sala de aula. "Nossa lição número um é ensinar que o caldo nada mais é do que um líquido saboroso que entra em um preparo para realçar sabor. A lição número dois é para que criem o hábito de ler no rótulo os ingredientes que compõem o alimento que se está comprando", diz.

Para facilitar a vida de cozinheiros amadores, a escola passou a vender caldos congelados que tivessem a mesma praticidade dos caldos industriais. Marina Hernandez, chef na Wilma Kovesi, conta que eles produzem semanalmente caldos de carne, aves, legumes e camarão. Custam de R$ 29 a R$ 39 o litro.

"Caldo não é um bicho de sete cabeças como as pessoas pensam", diz Helena Rizzo. "É possível fazer um caldo gostoso em 20, 30 minutos. Além disso, também é uma maneira de aproveitar excedentes de ingredientes que se tem em casa. Faz um frango assado e sobram ossos? Aproveita no caldo. Talos e cascas de verdura que iriam para o lixo? Também dá para aproveitar."


Receita do Caldo base de legumes da Escola Wilma Kovesi

Rendimento: 2 litros

INGREDIENTES

225 g de aromáticos base (casca de cebola, casca de cenoura, parte verde do alho poró, folhas de salsão).

2,5 L de água fria.

Ervas e especiarias (tomilho, pimenta, cravo, alho e folha louro).

200 a 300 g de aparas de legumes e outros aromáticos tais como pimentões, casca e semente de tomates, pontas de vagem, pedaços de berinjela, miolo de abobrinha, talos de salsinha, talos de cogumelos, casca de abóbora, casca de nabo, casca de aspargos, talos de ervas frescas (Não utilizar em caldos: cascas de batata, mandioquinha e mandioca , porque soltam amido e não interessam para a estrutura do caldo).

PREPARO

Em uma panela grande junte todos os ingredientes e cubra com água em temperatura ambiente.

Leve para cozinhar e, assim que ferver, abaixe o fogo e deixe cozinhar em fogo brando por pelo menos 2 horas, podendo deixar até 4 horas, escumando a superfície de tempos em tempos para que o fundo fique límpido.

Coe, resfrie e refrigere para uso posterior.

Receita do Caldo de carne/ave da Escola Wilma Kovesi

Rendimento: 1,5 L de caldo

INGREDIENTES

Para Caldo de Frango: 1 kg de carcaça de frango (ou aparas, asas, pés).

Para Caldo de Carne: 1 kg de músculo de boi cortado em cubos.

1 cenoura inteira

1 cebola inteira, espetada com 3 cravos da Índia

6 grãos de pimenta do reino preta

3 a 4 litros de água filtrada.

Bouquet garni: 10 ramos de salsa, 1 talo de cebolinha verde, 1 folha de louro, parte branca de 1 alho poró, 1 talo de salsão , 1 raminho de tomilho, amarrados.

PREPARO

Em caldeirão ou panela de fundo largo, leve todos os ingredientes a cozinhar em fogo lento, tampado, retirando ocasionalmente a espuma que se formar.

Deixe o caldo ferver durante aproximadamente 2 horas ou até reduzir à metade. Coe (no caso do caldo de carne, reserve a carne desfie e coma fria temperada).

Para desengordurar, leve à geladeira e, depois de frio, retire a camada de gordura que se forma na superfície. ​

Conserve 1 dia em geladeira ou congele em porções ideais para consumo como, por exemplo, formas de gelo.

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