Comunidade mistura reggae e ritual do Santo Daime em sítio na Grande SP
Após rezarem três pais-nossos e três ave-marias, 20 pessoas se aproximam de um galão com ayahuasca, o chá do Santo Daime. Vestem roupas brancas e azuis. Algumas usam dreadlocks.
O ritual ocorre quinzenalmente em um sítio em Itapecerica da Serra, cidade da Grande São Paulo. É lá que fica a igreja Céu de Santa Maria de Sião, a primeira comunidade rastafári brasileira ligada ao Santo Daime.
Ela foi criada por integrantes da banda de reggae Jah I Ras, que diziam sofrer rejeição dos grupos dos quais participavam.
"No Daime, as pessoas cortam os cabelos. Já a cultura rastafári recomenda o contrário, além do uso apenas de coisas naturais. É difícil explicar que o [chá do] Daime não tem álcool e é natural", diz o vocalista Ras Kadhu, 34.
A ideia de fundar a igreja surgiu após ele tomar o chá em 2003. "Eu tinha acabado de me tornar vegetariano e minha vontade era vomitar tudo o que tinha sobrado de ruim no meu organismo. Na época, conheci um jamaicano que me indicou o chá."
Kadhu diz que foi batizado na religião do Santo Daime pelo cartunista Glauco, morto a tiros em março de 2010.
Glauco não viu a nova igreja, que começou a ser construída em 2012, mas, segundo Kadhu, incentivou o grupo a permanecer na religião.
Hoje, dez pessoas vivem no local. Mas a intenção de Ras Bruno Muniz, 26, baixista que comprou a área de 10 mil m², é construir mais moradias.
Bruno é filho da atriz Fernanda Muniz e neto do autor de novelas Lauro César Muniz. Há dois anos, Fernanda trocou Ilhabela, no litoral de SP, pela vida na comunidade.
"Eu me perguntei na época: o que faria se o mundo fosse acabar? Eu estaria perto do meu filho e das pessoas que eu amo. Resolvi largar tudo para ancorar e somar aqui com as pessoas", diz a atriz.
A Céu de Santa Maria de Sião prega o cristianismo, mas é aberta também a pessoas de outras religiões.
"Cada um traz sua vivência, como os kardecistas, umbandistas e até simplesmente praticantes de ioga. Aqui é um centro eclético religioso, e o chá tem o poder de curar todos", afirma Kadhu.
O uso da maconha, comum entre rastafáris, não é condenado entre seguidores do Daime. Os membros usam a expressão "saudar Santa Maria" para se referir ao uso da erva.
Membro de uma ordem sacerdotal rastafári e uma das principais referências da filosofia no Brasil, a Imperatriz Carol Jafet, 31, diz que não toma a ayahuasca, mas confia no uso feito pelos rastafáris na comunidade. "Ela é uma erva de grande poder, que deve ser usada com muita sabedoria e respeito. O Kadhu têm toda a minha confiança porque sei que ele faz um trabalho muito sério", afirma Jafet.
A manicure Thais Gomes da Silva, 25, frequenta o local há dois anos. "Meu objetivo é buscar purificação. Sinto leveza e paz de espírito sempre que eu tomo o chá", diz.
O analista de sistemas Armando Marques da Silva Sobrinho, 53, conta que toma o chá há 35 anos e serve a bebida até mesmo para as filhas de 1 e 2 anos de idade. "A vida com o Daime é boa, mas só depois de muitos anos eu aprendi a conhecer a espiritualidade da bebida. É necessário esse tempo para criar uma simbiose com o corpo e receber a energia por completo", relata.
No Brasil, o uso ritualístico da ayahuasca é liberado para cerimônias religiosas.
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