Cidade mineira tem medo e filas para vacinação após casos de febre amarela
Após duas tentativas de se vacinar contra a febre amarela, o aposentado José Pedro de Jesus, 72, decidiu madrugar. Morador de Piedade de Caratinga (MG), município com suspeita de quatro mortes pela doença, chegou ao posto de saúde à 1h desta terça (17).
"Eu estava vindo no amanhecer do dia, mas não conseguia senha e ficava nervoso. Não gosto de fila. Hoje, resolvi vir cedo", disse o aposentado, enquanto aguardava de cócoras a abertura do posto às 7h. Ele foi vacinado às 8h.
Desde o dia 10, o município de 8.000 habitantes, a 314 km de Belo Horizonte, tem filas de pessoas que esperam por imunização contra a febre.
Até segunda (16), Minas Gerais já contabilizava 152 casos suspeitos da doença, com 47 notificações de mortes. O balanço anterior do governo mineiro, da sexta-feira (13), contava 133 casos notificados e 38 mortes suspeitas.
Municípios com casos notificados de febre amarela
A procura intensa fez a vacina faltar em cidades como Governador Valadares, consideradas em situação de emergência pelo Estado.
Na área urbana de Piedade de Caratinga, os dois postos que aplicam a imunização têm número limitado de doses por dia, a depender da quantidade enviada pela Secretaria de Saúde do Estado. Nesta terça, foram 300 –100 onde o aposentado esperava.
Mas o número de doses diárias já chegou a ser de 500 em apenas uma unidade, e caiu desde o início do surto, na semana passada. A restrição tem feito as pessoas chegarem antes de o sol nascer para não ficarem sem senha.
O outro posto da cidade tinha 200 senhas, distribuídas às 7h, e as vacinas começaram a ser aplicadas às 13h. Lá, a primeira pessoa chegou às 3h30 e, três horas depois, havia uma fila de quase 100, com idosos e crianças de colo.
"Distribuímos uma senha por pessoa. Já chegamos a dar mais de uma para quem pedia, mas isso criou um problema com os outros e tivemos até que chamar a polícia", afirma Cristiana Ferreira, 43, uma das enfermeiras do posto.
O lavrador Célio Machado, que chegou ao local às 3h40, enfrentou a fila pela segunda vez para pegar dez senhas e levar aos colegas de lavoura –ele diz que já conseguiu pegar cinco de uma vez. No entanto, recebeu apenas uma.
A Secretaria de Saúde de Piedade de Caratinga afirma que metade da população já foi vacinada e que também tem enviado agentes de saúde às zonas rurais –onde os casos estão concentrados.
O município, dependente da cafeicultura, é parte da região da cidade de Caratinga, que tem 90.000 habitantes.
FEBRE AMARELA - Casos confirmados no Brasil
'FIM DOS TEMPOS'
Um boato se espalhou no distrito de Santa Luzia, em Caratinga, na segunda: diziam que o filho de um casal de lavradores, internado com sintomas de febre amarela em Ipatinga, havia morrido.
O casal, Luzia André de Paula, 78, e Benedito André Avelino, 81, passou toda a tarde ligando para o hospital, mas conseguiu confirmar que a afirmação não era verdadeira somente às 18h.
O clima de aflição por causa do aumento dos casos de febre amarela se espalhou pela cidade e municípios vizinhos. No pronto-socorro de um hospital da cidade, pessoas com febre e dor de cabeça se dizem desconfiadas de que estão com a doença –a prefeitura separou dez leitos para casos de maior gravidade.
As farmácias destacam que têm estoque de repelente, já que a doença é transmitida pela picada de mosquitos.
"Minhas vendas de repelente mais que triplicaram. Desde a semana passada tive que repor o estoque quatro vezes", diz Wellington Campos, 34, dono de uma farmácia em Piedade de Caratinga que prometia "repelentes a preços especiais". Mas ele confessa que o preço do produto não está menor.
Ainda em Piedade, o marceneiro Tomé Ladislau de Oliveira, 81, não teve a mesma sorte que o casal de Santa Luzia: seu sobrinho Geraldo Oliveira, 30, morreu da febre quatro dias após os sintomas se manifestarem. Ele credita o surto ao "fim dos tempos".
"A profecia diz: será uma angústia tão terrível que ninguém pode imaginar."
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