THIAGO AMÂNCIO
BRUNO SANTOS
ENVIADOS ESPECIAIS A NATAL

As condições de sucateamento da segurança pública do Rio Grande do Norte voltaram a chamar a atenção de todo o país diante da atual paralisação de policiais civis e militares que completa 20 dias neste domingo (7).

No caso atual, a população presencia cenas de saques a lojas. Meses atrás, viram pela TV decapitações em um presídio perto de Natal. Nada disso, porém, aconteceu de uma hora para outra: o Estado percorreu um longo caminho para chegar até o atual cenário, com redução de efetivos policiais e descontrole nas contas públicas.

A maioria dos policiais militares não vai às ruas desde o final do ano passado, enquanto policiais civis reduziram o efetivo nas delegacias. É uma forma de protesto pelos três salários atrasados e pela melhoria de condições de trabalho. PMs, por exemplo, chegam ao ponto de terem que comprar as suas próprias fardas de trabalho.

Com a greve, os índices de violência aumentaram no Estado. Foram 106 mortes violentas nos primeiros 15 dias sem policiamento nas ruas, uma média de 7 mortes por dia, segundo levantamento do Obvio (Observatório da Violência Intencional do Estado), entidade que analisa estatísticas locais de violência.

Nos 15 dias anteriores à paralisação, foram 75 homicídios, segundo o órgão. Uma média de 5 mortes por dia.

Assim, 2017 bateu o recorde como o ano mais violento do Estado, com 2.408 assassinatos, contra 1.995 em 2016, segundo o observatório. A insegurança motivou o envio de tropas das Forças Armadas pela terceira vez em menos de dois anos, que, com 2.800 homens, fazem o policiamento ostensivo durante a greve.

CONSEQUÊNCIA

A paralisação e o consequente pedido de tropas federais não seriam necessários se o governo conseguisse pagar os salários dos servidores. O comprometimento das receitas com a folha de pagamento (próxima dos R$ 420 milhões) chegou a 57,4% no período entre setembro de 2016 e agosto de 2017, acima dos 49% permitidos pela Lei de Responsabilidade Fiscal.

Segundo o governo, a folha cresceu 23% desde janeiro de 2015, quando Robinson Faria (PSD) assumiu o cargo. Enquanto isso, as receitas de 2017 foram 2% menores do que em 2016 e 5% menores em relação ao ano de 2014.

Agora, para se adequar à lei sob a pressão de policiais de braços cruzados, o governador propõe a demissão de servidores com acúmulo de cargos, redução de cargos comissionados, demissão de trabalhadores em regime CLT que estejam aposentados e cumprimento de decisão judicial do STF que obriga a demitir servidores não-concursados.

Ainda na busca por arrecadação, a gestão quer vender ações da Potigás (empresa local de gás, em sociedade com a Gaspetro, da Petrobras), além de imóveis como o Centro de Convenções e o Ceasa.

MAIS VIOLENTO

Enquanto as finanças se deterioravam, o Estado se tornou cada vez mais violento.

Em 2000, o RN tinha uma taxa de 9,3 homicídios por 100 mil habitantes, distante da então média do país (26,8), segundo o Atlas da Segurança, do Ipea. De 2007 em diante, porém, esse índice disparou e, em 2015 (último dado disponível), bateu em 44,9 casos, contra 28,9 no país.

Em 2016, o Estado foi o segundo mais letal, com taxa de 57 mortes violentas (homicídios, latrocínios e lesões corporais seguidas de morte), segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, atrás de Sergipe, com taxa de 64 casos.

No ano passado, a violência foi ainda maior: com o número de 2.408 assassinatos, a proporção de crimes em relação à população é de 68,7 casos a cada 100 mil pessoas.

A receita para isso: queda no efetivo das polícias ano após ano (e consequente falta de policiamento ostensivo e de trabalho de investigação), falta de planejamento em segurança, fortalecimento do tráfico de drogas e o estabelecimento de facções do crime organizado.

O último concurso para a Polícia Militar ocorreu em 2005 -os aprovados foram chamados até 2015. Hoje, a corporação conta com cerca de 8.000 homens, abaixo do efetivo ideal, estabelecido em lei, de 13.466. Como a Folha mostrou, os agentes trabalham em prédios antigos e com carros danificados -e quem banca o conserto do veículo ganha um dia de folga.

A Polícia Civil também se viu sucateada. "Um dos principais fatores que alimenta a violência homicida é a impunidade", diz Ivenio Hermes, que dirige o observatório local e é também membro do Fórum Brasileiro de Segurança. "Como não temos policiais suficientes, nenhuma política de segurança pública se sustenta, porque não há efetivo para estar em todos os locais mapeados como suscetíveis à violência e que precisam de policiamento mais constante", diz Hermes.

DROGAS

Enquanto o efetivo se reduziu, o tráfico se fortaleceu e esse comércio chamou a atenção de facções criminosas. Primeiro veio o PCC, por volta de 2010. No Estado, uma dissidência interna da facção paulista deu origem ao Sindicato do Crime do RN, hoje apoiado pelo Comando Vermelho.

Há dois anos, na tentativa de impedir a instalação de bloqueadores de celulares na Penitenciária Estadual de Parnamirim, o Sindicato do Crime do RN liderou uma rebelião e ordenou queima de ônibus e ataques. O episódio ensejou a primeira incursão das tropas federais ao RN.

O ápice da crise, no entanto, ocorreu há um ano, quando 26 presos morreram na Penitenciária de Alcaçuz, numa briga entre as facções. Hoje, a maior parte dos presos da unidade é ligada ao PCC, e os criminosos da facção rival foram distribuídos para outros presídios.

No Estado, as facções competem em nível de poder de fogo, segundo fontes da segurança ouvidas pela Folha.

"O Estado falhou em presença em locais pobres e na inteligência. As facções chegam justamente a esses locais, cooptam uma juventude ociosa e dão oportunidade a eles de ganharem dinheiro. Não é só o tráfico que fortalece facções, é a falta de presença do Estado", diz o policial militar João da Silva, 36, que estuda a violência local.

Ele vive na zona norte de Natal, onde as facções se estabeleceram. "Hoje tem lugar do meu bairro, da minha própria rua, que eu não vou depois que anoitece".

Além disso, segundo estudiosos, falta planejamento de segurança a longo prazo. Já o governo destaca um novo plano segurança com metas estabelecidas até 2020 para reverter a atual situação.

Robinson Faria (PSD), que se elegeu em 2014 como o "governador da segurança", já está em seu quarto secretário de segurança pública em três anos de gestão.

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