Onda do chá volta, forma sommeliers e leva a reinvenção de produtores de SP

Crédito: Bruno Santos/Folhapress REGISTRO, SP, BRASIL, 21-12-2017: A producao artesanal de cha da empresa familiar Obaatian - O cha da vovo. Na foto, a matriarca e idealizadora da producao de cha, Elizabeth Ume Shimada (90), no chazal da familia. (Foto: Bruno Santos/ Folhapress) *** FSP-COTIDIANO *** EXCLUSIVO FOLHA***

ANGELA PINHO
ENVIADA ESPECIAL A REGISTRO (SP)

São 2h da manhã de uma quarta-feira de dezembro, e Elizabeth Ume Shimada, 91, já acordou para trabalhar. Enquanto cuida da plantação de chá no seu sítio em Registro (SP), a fábrica Amaya, ali perto, começa a processar as folhas da bebida.

Sobreviventes de uma crise que quase acabou com o chá na região, as famílias Shimada e Amaya protagonizam uma reinvenção do cultivo na cidade do Vale do Ribeira, a 188 km de São Paulo. O renascimento vem junto com novos cursos e estabelecimentos dedicados à bebida no país. De casas especializadas a quiosques de shoppings, de clubes de degustação à formação de especialistas.

Criado em 2016, o curso de sommeliers do Instituto CHÁ, da especialista Dani Lieuthier, está na vigésima turma. Pesquisadora e autora de mix de sabores da bebida, ela já percorreu mais de dez países para conhecer mais o tema –o que incluiu de plantações no interior da China a casas sofisticadas na Europa.

Em sua avaliação, no Brasil ocorre agora com o chá o mesmo que aconteceu com o café e a cerveja: o interesse crescente por produtos especiais, ou "gourmets".

Também contribui a busca por bem-estar e saúde, diz Yuri Hayashi, outra especialista no assunto. À frente da Escola de Chá Embahú, ela também dá cursos e, desde 2016, promove a Rota do Chá, que leva interessados para conhecer os produtores de Registro.

Com uma mescla de tradição e novidades, a cidade sintetiza as características da onda de chás especiais que ganha corpo no Brasil.

CAMELLIA

Já chamada de "capital do chá", Registro tem em sua calçada o desenho da planta que dá origem à bebida, a Camellia sinensis. Tecnicamente, apenas os preparos feitos a partir dela, como chá verde e preto, podem ser chamados de chás. O termo formal correto para "chá de camomila", por exemplo, seria "infusão".

Além da calçada, a verdadeira flor do chá está estampada também na bandeira do município. As primeiras sementes, conta-se, foram trazidas do Sri Lanka em 1935 pelo imigrante Torazo Okamoto dentro de um miolo de pão.

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Adaptada ao solo e ao clima local, disseminou-se por Registro pelas mãos da colônia japonesa. Dos anos 50 aos 80, a cidade chegou a ter mais de 40 fábricas em funcionamento, com foco no mercado externo. Por causa do câmbio e do aumento da concorrência internacional, porém, quase todas fecharam.

A exceção foi a Amaya. Com experiência no cultivo de chá desde os anos 1930, a família sobreviveu às crises e comanda a última grande unidade de produção que restou.

Sob a liderança de quatro descendentes, a fábrica da família fica no meio de chazais abandonados e de plantações de banana e pupunha, que substituíram o cultivo do chá em boa parte da região.

Por pouco os Amaya não tiveram o mesmo destino em 2013, quando uma queda brusca na demanda praticamente parou a fábrica.

Para sobreviver, foi preciso se reinventar. "Tínhamos que continuar o que nossos avós começaram", diz Milton Amaya, 60. Riogo, 63, teve a ideia: de olho na busca por saúde, decidiu comprar uma nova máquina e fazer chá verde. Hoje, a variedade responde por 30% da produção.

A maior parte das vendas ainda é do chá preto, usado por uma multinacional para fazer a bebida gelada. A demanda pelo produto "gourmet", porém, vem ganhando importância, e a empresa já começa a fazer outra variedade especial, o oolong.

NOTAS FLORAIS

Uma das clientes é Sylvia Rodrigues, dona da TeaKettle, casa de chá na Chácara Santo Antônio (zona sul de SP). "Às vezes, as folhas compradas de fora já foram colhidas há muito tempo. As de Registro são ótimas e vêm frescas", diz. Ela define o chá Amaya como "frutado, com sabor que lembra caramelo e notas florais".

Já as características do chá Obaatian, feito pela família Shimada, são outras –e consideradas nobres. Para Dani Lieuthier, a comparação internacional mais adequada seria com o indiano darjeeling. Considerado "o champagne dos chás", ele tem sabor suave e levemente adocicado.

Produzido de forma quase artesanal e em pequena escala, o Obaatian tem conquistado fãs até no exterior. Colhido manualmente, tem cor âmbar e é marcado pela delicadeza. O nome homenageia sua idealizadora. Aos 91, Elizabeth Ume Shimada é a batian (avó, em japonês) responsável pela retomada da produção.

Criada entre pés de chá plantados por seu pai, ela cultivou a planta até 2011, quando a fábrica que recebia a produção interrompeu as compras. O chazal foi abandonado, e ela ficou só com a roça de subsistência e o cultivo de lichia, ali até hoje.

Em 2014, veio uma oportunidade. Um amigo da família falou de um maquinário de beneficiamento de chá que estava em um ferro velho. Custava R$ 1.000. "Falei que tinha R$ 500", lembra a batian.

Feito o negócio, foi a hora de restaurar a máquina e limpar os pés de chá. "As plantas estavam tomadas por cipós que nem a enxada cortava. Tivemos que arrancar com a mão", diz ela. O esforço envolveu toda a família, que ainda participa de toda a produção.

O processamento após a colheita é feito pela filha Teresinha, que comanda a máquina de secagem movida a lenha. A queima usa galhos da planta da lichia, o que dá um cheiro doce ao processo.

Também filhas, Bernadete e Emi, junto com o neto Yuki, cuidam das vendas em São Paulo –atualmente pelo site, mas uma loja física na Aclimação está para ser inaugurada. A nora Alice faz a divulgação.

Elizabeth, até há um ano, estava na colheita. Com o desgaste físico, teve que parar –mas não saiu da roça. Cuida das plantas, alimenta animais, ajuda na embalagem.

Guarda orgulhosa as homenagens que recebeu pelo trabalho, até do governo japonês. Mas não passa por sua cabeça aposentar as galochas vermelhas. "Por favor, escreva: sou mulher do mato", diz.


HISTÓRIA E MODOS DE PREPARAR O CHÁ
Conheça a planta e saiba tirar o melhor da bebida

A planta
Nos melhores chás, são usados apenas o broto e as duas primeiras folhas da Camellia sinensis. Quanto menos galhos e outras partes da planta, melhor

Primeiro desembarque
No século 19, o príncipe Dom João 6º ordenou a vinda de chineses para plantar a Camellia no Jardim Botânico do Rio. Após auge nos anos 1820/1830, e sem sucesso no mercado internacional, a cultura decaiu

Segunda chance
Em 1935, a variedade da planta levada a Registro não é a chinesa, mas a assâmica (do Ceilão ou da Índia), que se adapta melhor ao solo local

Tempo e temperatura
As embalagens têm indicação de tempo e temperatura de preparo. Segui-la garante o melhor sabor e evita amargura. Chá verde, por exemplo, em geral não deve ser tomado com água pelando

Chá gelado
Um jeito de fazer é deixar as folhas em um copo de água na geladeira do dia para a noite

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