São Paulo rejeita adensamento que poderia deixá-la mais aprazível

Crédito: Eduardo Knapp - 18.jan.18/Folhapress/Revista Sao Paulo Vista área da cidade de São Paulo, que completa 464 a nos nesta quinta-feira, 25 de janeiro
Vista área da cidade de São Paulo, que completa 464 a nos nesta quinta-feira, 25 de janeiro

FRANCESCA ANGIOLILLO
EDITORA-ADJUNTA DE CULTURA

Nos seus 464 anos, São Paulo irradiou-se a partir do local de fundação do Colégio de São Paulo de Piratininga, ali onde ainda resiste a rua mais antiga da cidade, até as franjas mais distantes, ao longo dos eixos rodoviários.

Se a expansão do centro para as bordas parece seguir, por um lado, movimento natural –considerando a ausência dos contingentes geográficos que tem, por exemplo, o Rio, espremido entre montanhas e o mar–, por outro responde a uma imposição artificial.

Desde 1957 a cidade vem determinando os caminhos dessa sua expansão.

Foi naquele ano que, para reter o adensamento nas regiões centrais, estabeleceu-se o coeficiente de aproveitamento, que limitava a superfície de uma construção em relação à de seu terreno. Com o aproveitamento mais baixo, o metro quadrado na região central subiu de preço.

SP, 464

Empurrados para as bordas foram tanto os que não tinham mais condição de bancar a vida no centro quanto aqueles que, a bordo de seus automóveis, buscavam mais espaço e comodidades, por preços mais acessíveis.

No centro sobraram os que podiam pagar pelas novas unidades, maiores e para menos gente, nascidas sob a égide do desadensamento.

A ênfase nas obras viárias de porte, privilegiando o automóvel sobre o transporte coletivo e o pedestre, se amplificaria nas décadas seguintes, com seus exemplos mais retumbantes nas marginais e no elevado popularmente conhecido como Minhocão.

Foi essa a perspectiva que, visando compensar os efeitos da rápida verticalização que se dera nos anos 1950, congestionando o centro, determinou o espalhamento da cidade ao longo de eixos pensados para o automóvel.

A diminuição do coeficiente de aproveitamento em 1957 e, mais tarde o estabelecimento de recuos, no Plano Diretor de 1972, resultaram no desenho atual do skyline paulistano, em que sobressaem edifícios isolados no centro do terreno, distantes uns dos outros –e das calçadas.

É possível ainda crescer nesse sentido? Quanto? Para quê? Por quantos quilômetros São Paulo ainda poderá se chamar São Paulo?

ENCANTO DAS RUAS

O leitor que vive em um desses prédios arejados, em cima de uma garagem com múltiplas vagas para cada unidade habitacional, ou numa casa com quintal e piscina afastada do centro, talvez não saiba definir o encanto que sente ao passear pelas ruas de Nova York ou Paris.

Reputa que a vida seja mais aprazível nelas graças a aspectos como o cenário histórico, ou porque se trate de cidades seguras e menores.

Do alto de seu apartamento ou detrás dos vidros de seu carro, contempla com olho temeroso a cidade encastelada, tão diferente daquelas.

Mas não entende que o fato de elas serem seguras e menores tem a ver com aspectos que, no exercício de sua vida cotidiana, aprendeu a rejeitar –como o adensamento.

Para termo de comparação, São Paulo concentra 7.400 habitantes por quilômetro quadrado, enquanto Paris, na mesma área, 20 mil.

O uso misto dos imóveis -em que residência se conjuga a comércio ou serviços- e a prioridade dada ao pedestre são características do urbanismo tradicional (curiosamente às vezes chamado novo urbanismo), que perdeu terreno para a noção modernista, que marcou São Paulo dos anos 1960 em diante.

Ruas ocupadas em diferentes horários do dia fazem a cidade mais segura. Os olhos do habitante sobre a calçada são o melhor sistema de monitoramento, indicava a jornalista e ativista Jane Jacobs (1916-2006), autora de "Morte e Vida das Grandes Cidades", clássico de 1961, publicado no Brasil só em 2000.

O modelo de cidade que passa pela mistura e pelo convívio, apreciado no exterior, vem sendo renegado aqui há mais de meio século.

Recentemente, São Paulo perdeu a oportunidade de retomar para si o planejamento de uma grande área central com base no ideário calcado na escala humana.

Em 2004, no fim da gestão Marta Suplicy, um projeto do trio de arquitetos Euclides Oliveira, Dante Furlan e Carolina de Carvalho venceu o concurso para o Bairro Novo.

A contenda, promovida pela prefeitura e pelo Instituto de Arquitetos do Brasil, visava urbanizar uma gleba na Barra Funda, de tamanho equivalente ao vale do Anhangabaú esvaziada com a saída das indústrias ao longo da linha do trem.

O projeto propunha prédios baixos, de uso misto, estimulando o surgimento de empregos no comércio local; edifícios de interesse social e para a classe média na mesma região; todos os imóveis providos de pátios internos, esquinas chanfradas ampliando a calçada, praças chamando para o encontro.

O novo Plano Diretor para a cidade ecoa preceitos semelhantes contra a inércia do expansionismo. Incentiva o uso misto, contrariando o caráter estritamente residencial favorecido nos anos 1970 e desestimulando o uso de automóvel pela redução de vagas de garagem e pelo adensamento maior ao longo dos eixos de transporte coletivo.

O Bairro Novo, aquele, foi para a gaveta. Em 2008, a área destinada ao projeto foi vendida pela Telefônica à Tecnisa e transformada no minibairro Jardim das Perdizes.

Euclides Oliveira morreu em 2010, sem ver o empreendimento que, na prática, é o espelho invertido do que sua equipe idealizara: uma série de condomínios-clube fechados, em torno a um parque que lhes servirá de vista quando as árvores crescerem.

A caminho dos 500 anos, a cidade estará pronta para aceitar novas feições?

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