JÚLIA BARBON
DE SÃO PAULO

Quando Alex Costa chegou para morar no Capão Redondo, aos 4 ou 5 anos de idade, aquilo tudo era mato. Hoje, é um mar de concreto e sobrados com tijolo à mostra. Você poderia pensar que hoje Alex é um homem idoso e relembra saudoso da infância passada em meados do século passado, mas na verdade isso aconteceu há apenas 30 anos.

Nas bordas da capital paulista, já no limite com Embu da Artes, o Capão foi um dos distritos da zona sul que cresceram explosivamente em direção aos mananciais a partir da década de 1990. Alex foi para lá pouco antes.

SP, 464

A região ajuda a contar um pouco da história da ocupação da cidade pelas classes mais pobres no último século –história essa que se resume a: cortiços e vilas, depois loteamentos irregulares e conjuntos habitacionais, e então apartamentos via financiamento e favelas.

Foram basicamente dois movimentos. O horizontal, do centro para as periferias, e o vertical, das construções térreas para os puxadinhos e prédios populares.

Para entender esse caminho da cidade, voltemos ao começo do século 20. Industrialização, café, imigração europeia. Ao redor das fábricas e ferrovias, na região central, proliferaram-se cortiços e vilas de classe média-baixa.

Uma delas ainda sobrevive na Luz, fazendo parte dos apenas 0,2% dos imóveis da cidade construídos antes dos anos 1930. É a chamada Vila Economizadora, "escondida" entre centenas de comércios perto da avenida do Estado.

São mais de 130 casas beges tombadas, construídas de 1908 a 1915. Quem vivia ali eram funcionários mais qualificados, como comerciantes e mestres de indústria. Enquanto isso, os "chão de fábrica" iam para os cortiços insalubres com banheiro coletivo, diz Nabil Bonduki, professor da USP e colunista da Folha.

Hoje já relativamente desconfiguradas por fora e por dentro, as casas são ocupadas por inquilinos que pagam cerca de R$ 1.000 de aluguel, parte deles peruanos e bolivianos. Em 2013 a prefeitura até lançou uma cartilha para orientar os moradores na conservação, mas muitos nem sabem que o documento existe.

Na prática, um dos responsáveis por tentar preservar a arquitetura dos imóveis é o pedreiro José Diniz, 62. Morador da vila entre 1975 e 2007, nos últimos anos ele já reformou cerca de dez casas. "Eu mesmo faço os relevos, copiando a casa do lado", diz.


Imóveis mais baratos da cidade (até R$ 934/m²), por década de construção

Eles vão sendo empurrados para as periferias da cidade até deixarem de existir na região central

Crédito: Folhapress

DO CAMPO À CIDADE

Do tempo das vilas para cá, uma grande virada se deu nos anos 1960 e 1970, diz Kazuo Nakano, urbanista da Unifesp. Era a época em que o Brasil passava de país rural para urbano, e trabalhadores chegavam aos milhões a SP atraídos pela indústria e comércio.

Com os preços altos no centro e a falta de uma política habitacional forte, as massas começam a ocupar as periferias. "É assim que se formam as centenas de bairros das zonas leste, sul e norte, em locais que antes eram chácaras, um cinturão verde", explica Nakano.

"As famílias que não podem pagar aluguel se juntam e invadem um terreno. Já quem tem um dinheirinho dá entrada num lote, faz um barraco e, com os anos, vai construindo a casa às prestações."

É o início também dos conjuntos habitacionais erguidos pelo poder público e rodeados por lotes clandestinos, principalmente na zona leste –caso de Cidade Tiradentes, que no começo convivia com caminhões-pipa e ônibus clandestinos.

Hoje, no horizonte da região se vê um mar de prédios populares (além das favelas) –são mais de 40 mil unidades. Apesar de ainda ser considerado bairro dormitório, já está um pouco mais próximo dos serviços básicos e possibilidades de emprego.

Morador de uma Cohab e consultor imobiliário, Boaventura Teixeira, 60, conta ter visto essa transformação. "A oportunidade ainda é pouca, mas tem bastante escola, condução, supermercado." Segundo ele, o aluguel de um apartamento de 42 m² por ali custa cerca de R$ 650.

Se na zona leste esse processo foi forte em 1980, a partir de 1990 foi a vez da zona sul, na direção dos mananciais. Um terço dos imóveis do Capão Redondo, por exemplo, são dessa década.

Alex Costa, 35, que relembra o barro e o córrego limpo da infância, hoje vê um cenário bem diferente, com avenidas margeadas por favelas. "Acho que mudou porque a população cresceu muito, né?", diz ele. De fato, em 30 anos o total de habitantes do distrito dobrou: foi de 128 mil em 1980 para 269 mil em 2010.

Esse adensamento rápido e sem controle, tanto ali quanto em outras regiões periféricas da cidade, trouxe as consequências conhecidas até hoje: separação entre moradia e emprego, habitação em áreas de risco, violência e ausência de espaços públicos de qualidade.

A previsão, avaliam urbanistas, é que essas moradias irregulares continuem se proliferando na cidade, mas para cima, e não mais para os lados. "As favelas estão se adensando, por isso a venda de lajes é tão comum", diz Bonduki, da USP.

Além da verticalização, as faixas mais pobres também vivem agora outro movimento: para fora da cidade. Elas ultrapassam os limites da capital para se instalar nos municípios vizinhos, como Guarulhos e Diadema.

"Não é todo mundo que consegue pagar R$ 600, R$ 800 de aluguel na capital", conclui Kazuo Nakano. "São Paulo está transbordando para a região metropolitana."

Crédito: ONDE ESTÃO OS IMÓVEIS, POR DÉCADA DE CONSTRUÇÃO
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