ROBERTO DE OLIVEIRA
DE SÃO PAULO

São Paulo não espera o Carnaval chegar para ser vadia, malandra e, sobretudo, criativa. Até Quarta-Feira de Cinzas, vai ser assim todo dia.

O esquenta desse fim de semana foi uma amostra do que deve rolar e fazer a cabeça dos foliões. Vamos aos destaques:

Cílios gigantes e coloridos; trancinhas retrô; tiaras adornadas de folhas, flores e galhos de verdade; e gente abusando de referência e devoção à natureza e à Iemanjá.

Mas este folia também promete revelar outros adereços: camisetas, estandartes e chapéus confeccionados a mão trazem mensagens de cunho político. Para tentar proteger o smartphone, objeto campeão na lista de furtos durante a festa, pochetes vieram em diferentes tons e formatos.

Com apenas nove anos de idade, a estudante Lis Geimer não tem smartphone, mas sabe bem o valor de uma pochete. "Guardo glitter e dinheiro para comprar Kinder Ovo. Não gosto do chocolate. Adoro é o brinquedinho", diz, após pausa no bloco Vaca Profana, Pompeia, zona oeste.

A estudante Beatriz Stefany, 19, optou em desfilar com uma pochete tamanho família. "A minha é 'big', sim", orgulhava-se. "Cabe até guarda-chuva." Ela comprou na última "black friday" por menos da metade do preço: de R$ 130, saiu por R$ 60.

Crédito: Folhapress Clique e veja a lista oficial completa dos blocos de rua que passarão pelo Rio até o pós-Carnaval

"Foi um presente especial para o Carnaval", explica, com um certo desapontamento. Isso porque a pochete pink ia compor look inspirado no filme "Meninas Malvadas", de 2004, no qual as protagonistas adoram desfilar com roupas dessa tonalidade.

"A grana não deu para ir além da bolsa, mas meu celular está aqui dentro e ninguém me tira", comemora.

Quem não conseguir montar uma fantasia em casa e resolver fazer isso no meio da rua saiba que tal façanha já é possível nos blocos daqui.

A figurista Nana Calazans, 36, usa a camionete emprestada de um amigo como vitrine para expor suas criações: entre elas, minissaia com cauda de sereia cravejada de lantejoulas verde-água, nude e furta-cor, R$ 135.

Também oferta outros hits carnavalescos: pochetes de couro em cinco modelos e cartucheiras versão ziriguidum, a R$ 120 cada uma.

Nem precisa tanto, opina a atriz Talitha Pereira, 34, que gastou uma pechincha para montar sua fantasia: R$ 7, pelo par de cílios de plumas gigantes, e R$ 30, por um aplique acaju. Sem custos, ela criou até uma personagem para os desfiles.

Feliz e saltitante com o resultado, Roxelle (nome de guerra carnavalesco) faz um desabafo: "Deveriam proibir a gente de dirigir com isso nos olhos. É um sombreiro", diz.

Fofos, mas nada discretos, os cílios de joaninha da cantora Priscila Moraes, 32, só atrapalham "se você não souber colocar". Pelo olhar em meio a franjas, ela enxerga uma tendência ao demasiado neste Carnaval que pode ser interpretada como um grito contra o obscurantismo.

Sem cílios, mas com um óculos de lente única espelhado dominando a face, a bancária Débora Fonseca, 30, preferiu levar a alegoria para a cabeça –dela e dos outros, afirma.

Por R$ 30, encomendou a uma designer um chapéu com a seguinte frase: "Foi golpe". "Independentemente de ser um momento festivo, o Carnaval constitui um período oportuno para a gente se manifestar e, assim, provocar reflexões", filosofa.

O administrador de empresas Kleber Carvalho, 30, acha que a festa é um momento, nas palavras dele, "back to basic": "É a hora do básico", disse no meio da multidão do bloco MinhoQueens, sábado (27), no Anhangabaú, região central.

No pescoço, usava um colar de conchas, enquanto as pernas eram cobertas por uma malha de tons verde e azul cuja a estampa lembrava um rabo de sereia. "É um salve para a vida marinha!"

Com um short jeans cravejado de 120 peças (pérolas, conchas, sereias, tartarugas e cavalos-marinhos), o funcionário público Alex Braz, 32, gastou R$ 150 com as bugigangas e quatro horas para se cobrir de brilho -tudo em nome da autenticidade.

Para o artista visual e DJ Ricardo Don, 31, da Venga-Venga, que neste ano sai com o BloCU (assim mesmo), o exagero e a extravagância fazem dos blocos de rua uma "celebração à tolerância".

Em tempos tão sombrios, que ao menos o espírito do Carnaval dure o ano inteiro.

Tópicos relacionados

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.