KLEBER NUNES
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

MARCEL RIZZO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM FORTALEZA

Dois dias após a maior chacina da história do Ceará deixar 14 mortos e 16 feridos em uma festa de forró, num crime atribuído à disputa entre facções pelo tráfico de drogas, uma nova briga entre os mesmos grupos criminosos resultou em 10 presos mortos e 8 feridos –desta vez em uma cadeia superlotada do Estado.

A matança ocorreu na Cadeia Pública de Itapajé (CE), a 125 km de Fortaleza, nesta segunda-feira (29), após confronto entre detentos das facções Comando Vermelho (CV) e Guardiões do Estado (GDE).

Esta última é suspeita de ter comandado a chacina de sábado (27) em Fortaleza, que teria como alvo integrantes do grupo rival. Nesse ataque, pessoas sem relação com a disputa foram atingidas –8 dos 14 mortos eram mulheres.

Massacre em presídios

Antes do confronto em Itapajé, outros três motins neste ano já tinham deixado 9 mortos e 14 feridos em prisão de Aparecida de Goiânia (GO).

Segundo a delegacia da cidade cearense, a briga entre presos das facções CV e GDE começou às 8h30, após um grupo invadir a área do outro.

Um total de 113 detentos estavam na cadeia de Itapajé, que tem capacidade para 25 presos. Na hora da briga, só um dos dois agentes penitenciários estava de plantão. O contingente de dois é praxe em unidades menores do Ceará –nas maiores, há até oito.

Segundo Cláudio Justa, presidente do Conselho Penitenciário do Ceará (Copen), presos romperam portas que, segundo ele, são muito antigas e estavam sem manutenção para ter acesso aos rivais. Alguns tinham armas de fogo.

"Estamos vendo o reflexo no sistema penitenciário do conflito externo entre as facções. Nos presídios do Ceará, cada unidade é dividida por uma facção. Em uma só há membros do GDE, em outra do CV, e assim vai. Mas nas unidades menores, como em Itapajé, isso não é possível, então se divide os presos das facções por alas. Mas essas unidades são muito mais vulneráveis, e houve a chacina."

Segundo o presidente do Sindicato dos Agentes e Servidores Públicos do Sistema Penitenciário do Estado do Ceará (Sindasp-CE), Valdemiro Barbosa, o deficit de agentes no Estado chega a 3.600.

A Secretaria da Justiça do Ceará, da gestão Camilo Santana (PT), informou que a situação foi controlada após a chegada da PM e de agentes penitenciários do Grupo de Operações Regionais.

Segundo o governo, 44 presos foram transferidos depois do confronto, e seis detentos foram indiciados por homicídio. Durante vistoria, foram apreendidos dois revólveres, 38 munições, duas facas, drogas e aparelhos celulares.

Também na manhã desta segunda, foram registradas três fugas de cadeias públicas do Ceará -em Cascavel, Caridade e Senador Pompeu. Desta última, segundo o Sindasp-CE, escaparam dez presos do Comando Vermelho.

CHACINA

O Ceará vive uma onda de violência e disputa entre criminosos –que se agravou com a chacina de sábado durante a festa "Forró do Gago".

Segundo testemunhas, um grupo chegou em carros atirando a esmo pela região.

Em entrevista à TV Verdes Mares, o secretário da Segurança do Ceará, André Costa, afirmou que só 3 dos 14 mortos tinham antecedentes criminais.

A polícia suspeita que bandidos do PCC (Primeiro Comando da Capital) estejam apoiando os traficantes locais, da GDE, em meio à disputa pelo tráfico de drogas.

Na noite desta segunda, um grupo de cerca de 40 moradores fez um protesto perto do local da chacina –queimando pneus e fechando os dois sentidos da BR-116.

No mesmo dia, sete suspeitos com armas e munições foram presos em um cemitério na região metropolitana durante enterro de uma mulher –mas a polícia não confirmava a ligação com a chacina.

Outra ação violenta era alvo de investigação: pela manhã, dois homens e uma mulher da mesma família foram assassinados no Bairro Ancuri, periferia de Fortaleza.

Segundo moradores, eles foram retirados de dentro de casa por homens com fuzis.

Crédito: Editoria de arte/Folhapress

VIOLÊNCIA

Após a chacina de sábado, o Ministério da Justiça prometeu uma força-tarefa para auxiliar o Ceará com informações de inteligência "para reprimir" os criminosos.

Procurado, o governo local não disse se pedirá reforço de tropas federais. O Estado está entre os que apresentam os piores índices de violência.

No relatório Atlas da Violência 2017 (parceria entre Ipea e Fórum Brasileiro de Segurança Pública), apareceu com a terceira taxa mais alta de homicídios: 46,75 por 100 mil habitantes. Só Sergipe (58,09) e Alagoas (52,33) tinham índices piores.

Entre as capitais, Fortaleza tinha a segunda maior taxa, com 66,72, perdendo para São Luís (MA), com 70,58.

MASSACRES DE JANEIRO

No primeiro dia de 2018, Goiás registrou uma rebelião com nove mortos e 14 feridos. O massacre aconteceu no Complexo Prisional de Aparecida de Goiana, na região metropolitana, exatamente um ano após o conflito iniciado na penitenciária de Manaus e que se espalhou dias depois por unidades de Roraima do Rio Grande do Norte.

O complexo em Goiana teve ainda mais dois motins que resultaram na fulga de 99 presos. A briga de facções rivais PCC (Primeiro Comando da Capital) e Comando Vermelho pelo controle dos presídios motivou as rebeliões, segundo afirmou ao UOL o secretário da Segurança Pública de Goiás, Ricardo Balestreri.

Durante a crise, o governo goiano foi duramente criticado por instituições como o MP, OAB e membros do TJ-GO. O governador Marconi Perillo (PSDB) rebateu as críticas atribuindo ao governo federal a responsabilidade da crise do sistema prisional do Estado. Ele assinou um manifesto pedindo mais verbas ao Ministério da Justiça e da Segurança Pública, juntamente com outros seis governadores.

Logo após a primeira rebelião, o ministro Torquato Jardim (Justiça) criticou o governo goiano "por desleixo" em relação à gestão dos presídios e informou que o Estado gastou somente 18% da verba de R$ 32 milhões do Funpen (Fundo Penitenciário Nacional) destinada à construção e reforma de unidades prisionais.

As três rebeliões de janeiro de 2017 deixaram mais de 120 detentos mortos. Na maioria dos casos, os conflitos foram iniciados por membros de facções rivais que pretendiam assumir o comando do crime de dentro das unidades.

Na época, de acordo com o delegado-geral do Amazonas, Frederico Mendes, o inquérito "comprovou que o massacre de Manaus foi causado pela rivalidade entre as facções criminosas FDN (Família do Norte) e PCC (Primeiro Comando da Capital)" em uma disputa pelo controle dos presídios da capital amazonense. A transferência de líderes da FDN para presídios federais no ano anterior também estimulou o massacre.

Em Roraima, o então secretário estadual de Justiça, Uziel Castro, disse que a matança registrada na Penitenciária Agrícola de Monte Cristo foi uma retaliação do PCC contra os membros da facção mortos em Manaus. Na capital potiguar, a disputa pelo controle do tráfico de drogas entre as facções PCC e Sindicato do Crime gerou o conflito.

Os massacres também reascenderam o debate sobre a política de encarceramento do país, que já apresenta a terceira maior população de presos do mundo.

Seis meses após os conflitos, reportagem da Folha mostrou que os governos dos três Estados onde as rebeliões ocorreram pouco fizeram para tornar o sistema prisional mais eficiente.

Como medida emergencial, os Estados transferiram detentos, anunciaram a construção de novas penitenciárias e fizeram mutirões para revisar processos, mas nenhum conseguiu alcançar o "calcanhar de Aquiles" do problema: o número de presos provisórios —aqueles que ainda aguardam por um julgamento.

De lá para cá, apenas o Amazonas conseguiu reduzir a população de provisórios em quantidade significativa, segundo dados oficiais, por meio de mutirões do Judiciário que sentenciaram 63% dos processos.

Crédito: Editoria de Arte/Folhapress

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