Decisão do STF pode soltar até 15 mil presas, diz órgão penitenciário

Medida pode aliviar superlotação, mas agentes penitenciários manifestam dúvidas

Natália Cancian
Brasília

A decisão da segunda turma do STF (Supremo Tribunal Federal) de permitir que presas grávidas ou com filhos até 12 anos cumpram prisão domiciliar até o julgamento poderá diminuir a superlotação em unidades prisionais femininas, de acordo com o Depen (Departamento Penitenciário Nacional).

Segundo a coordenadora-geral de Promoção da Cidadania do departamento, que é vinculado ao Ministério da Justiça, Mara Fregapani, apesar de ainda não haver número exato, a estimativa do órgão é que o número de mulheres beneficiadas seja de no máximo 15 mil.

A ex-presa Jéssica Monteiro, 24, faz carinho no filho em casa
Jéssica Monteiro, 24, com o filho em casa após deixar cadeia; ela entrou em trabalho de parto um dia após ser presa - Folhapress

O cálculo considera o total de mulheres presas sem condenação (que já chega a 44%, informa), o percentual daquelas que afirmam ter filhos (75%) e a idade da maioria das presas. Por falta de dados, no entanto, a estimativa não exclui presas que cometeram crimes com violência ou grave ameaça, as quais estão fora da decisão do STF --o que deve fazer esse total ser revisto.

"A estimativa é baseada nos critérios genéricos de ser presa provisória e ter filhos na primeira infância. Mas a tendência é esse número diminuir", explica a coordenadora, que lembra que a decisão pela prisão domiciliar também caberá a cada juiz.

Ainda assim, a expectativa é que o desencarceramento traga alívio em algumas unidades. "Em um número de 726 mil presos, [falar em 15 mil] não é um impacto tão grande. Mas considerando que há poucas unidades exclusivas femininas, esperamos que a condição do encarceramento feminino melhore", afirma. "A esperança é de quem está cumprindo a pena fique numa condição mais favorável, porque vai diminuir a superlotação nas unidades femininas e nas mistas", diz.

Além da estimativa do Depen, um levantamento feito pelo IBCCrim, em conjunto com o Instituto Terra e Pastoral Carcerária, apontava até 4.560 mulheres em prisão preventiva grávidas ou com filhos de até 12 anos, critério previsto inicialmente no pedido de habeas corpus.

Ministros do STF, no entanto, optaram por incluir também na decisão adolescentes apreendidas e mães de crianças com deficiência. Atualmente, não há dados sobre esse último caso, o que tem levado os técnicos do departamento a fazerem uma nova checagem juntos aos Estados na tentativa de chegar a um número próximo, informa. 

Para a coordenadora, a decisão indica reconhecimento da "situação do sistema prisional feminino". "Entendemos que poucas unidades prisionais femininas estão compatíveis e aptas para receber a mulher em gestação ou no período em que está com sua criança na unidade", avalia. 

'PREOCUPAÇÃO'

Ao mesmo tempo em que foi celebrada por entidades, a decisão, porém, também tem gerado dúvidas e preocupação entre alguns representantes do sistema prisional.

Para o presidente da Febrasp (Federação de Servidores Penitenciários), Leandro Allan Vieira, a possibilidade de permitir a prisão domiciliar serve, a curto prazo, como medida para resguardar os direitos e integridade das crianças.

"É uma decisão que vem atender a falta de estrutura do sistema penitenciário. Hoje as penitenciárias não têm as mínimas condições de receber mulheres e crianças. Há uma série de elementos que trazem uma situação muito prejudicial à criança, que não tem culpa pelo crime que a mãe praticou."

Ele ressalta, no entanto, que é preciso discutir outras questões, como os riscos de que mulheres possam ser usadas para cometer delitos.

"Infelizmente da criminalidade não podemos esperar nada positivo", diz. "Podem tentar usar as mulheres grávidas para cometer práticas delituosas, como furtos ou levar armas e drogas para dentro de cadeia. É um lado ruim que tem que ser estudado e debatido de forma mais minuciosa", diz.

Segundo ele, a entidade planeja enviar ao STF um documento expressando sua preocupação e sugerindo melhorias ao sistema penitenciário. "São paralelos que têm que ser debatidos. É preciso achar um meio-termo nesta questão", afirma.

Já para Fregapani, do Depen, o histórico de decisões semelhantes adotadas em outros países aponta como baixa a probabilidade de que a mudança de prisão preventiva para domiciliar incentive a prática de crimes.

"As consequências positivas ou negativas dessa ação só vamos realmente reconhecer no futuro. Mas me parece, por experiência de outros países, que essa não é uma situação que pode acontecer. A decisão não traz salvo conduto, porque não impede o julgamento", diz.

'LADO HUMANITÁRIO'

A medida também gera outras dúvidas. "Elas ficarão em casa cuidando dos filhos e da sua saúde? Quem vai fazer esse acompanhamento e esse trabalho?", questiona Sônia Ponciano, presidente da regional do Sifuspesp​ (Sindicato dos Funcionários do Sistema Prisional de São Paulo) na região do Vale do Paraíba (SP).

Para ela, o ideal seria se houvesse envolvimento também da sociedade civil, como ONGs, por exemplo. "O Judiciário não tem tantos funcionários para cuidar desses detalhes", diz.

Apesar da preocupação, diz, Ponciano afirma concordar com a decisão pela substituição da prisão preventiva pela domiciliar para estas mulheres. 

"Vemos isso pelo lado da criança, porque ninguém substitui uma mãe. Bebês precisam de amamentação, e a grávida, de pré-natal. A penitenciária tem um acompanhamento, mas não é como estar perto da família", afirma.

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