Uma fila de carros dava voltas no posto de gasolina, suas buzinas berrando. “Há trânsito demais nas ruas, caminhões demais, carros parados em fila dupla”, reclamava o taxista Thierno Diouf, enquanto enchia o tanque na hora do rush em Manhattan.
Mesmo no frio abaixo de zero do inverno de Nova York, passageiros costumam descer de táxis como o dele para terminar a pé o caminho —a velocidade média dos carros na maior metrópole americana não passa de 7 km/h, e andar pode ser mais rápido.
Mas um remédio —amargo, na opinião de alguns— contra a paralisia no trânsito da cidade acaba de voltar ao debate público. Nova York estuda cobrar um pedágio urbano dos carros e caminhões que circularem ao sul da rua 60 em Manhattan, onde ficam as lojas da Quinta Avenida e o distrito financeiro da ilha.
No plano defendido pelo governador do Estado de Nova York, Andrew Cuomo, os carros —incluindo táxis e veículos de aplicativos como Uber, Lyft e Via— pagariam US$ 11,52, cerca de R$ 37, e caminhões teriam de desembolsar US$ 25,34, ou mais de R$ 80, para dirigir por ali.
Uma taxa de até US$ 5, ou quase R$ 16, ainda seria cobrada sobre cada viagem de táxi ou carros de aplicativo.
Autoridades calculam que a cobrança pode render o equivalente a R$ 4,8 bilhões por ano aos cofres públicos, e o dinheiro seria reservado para bancar melhorias no metrô, que vem enfurecendo nova-iorquinos com descarrilamentos, acidentes e atrasos.
VAMPIRISMO
Não é uma ideia nova. Há uma década, o então prefeito Michael Bloomberg tentou convencer os moradores que essa era a solução para acabar com os engarrafamentos.
Sua proposta foi derrotada, mas agora vem sendo ressuscitada diante do caos no metrô, que alguns analistas afirmam estar em seu pior estado desde a década de 1970 —responsáveis pela rede ferroviária calculam que os problemas causam um rombo de R$ 1,2 bilhão a cada ano para a economia da metrópole.
“O pedágio urbano é como um vampiro. Enfiam uma estaca no coração, e ele morre. Mas volta e meia arrancam a estaca e ele acorda”, compara Jonathan Peters, um pesquisador de mobilidade urbana da Universidade da Cidade de Nova York. “É porque esse é um problema que foi sendo empurrado e ainda precisa de uma boa solução.”
Mas especialistas estão longe de chegar ao consenso.
Uma cobrança nesses moldes está em vigor em Cingapura desde 1975 e foi implementada em Londres, que tem o modelo mais próximo do estudado pelos nova-iorquinos, há 15 anos, onde ajudou a diminuir congestionamentos só num primeiro momento e depois se tornou só mais uma fonte de recursos.
Outras cidades europeias, como Milão e Estocolmo, também aplicam pedágios urbanos —o caso da metrópole italiana, no entanto, tem menos a ver com aliviar o trânsito e mais com a ideia de impor um teto à poluição do ar.
Um pedágio urbano ainda chegou a ser aventado em São Paulo, mas nunca saiu do papel, sendo o mais próximo disso o rodízio de veículos que entrou em vigor em 1996.
Mas Nova York é outra história. É quase impossível construir novas ruas e avenidas na ilha de Manhattan, uma das aglomerações urbanas mais densas do planeta, onde menos de metade da população dirige todos os dias.
E moradores reclamam que pagam impostos demais —de fato, mais de um terço de todo o dinheiro gerado por pedágios nos Estados Unidos, cerca de R$ 11,2 bilhões a cada ano, já vem dos túneis e pontes que interligam os cinco distritos da cidade e o Estado vizinho de Nova Jersey.
ÚLTIMAS SAÍDAS
O prefeito, Bill de Blasio, está do lado dos que se queixam e já disse ser contra a medida. Mas ativistas e especialistas dizem que ele vai acabar tendo de mudar de ideia.
“Não há uma bala de prata para resolver o trânsito na cidade”, diz Jaqi Cohen, da Straphangers Campaign, ONG que defende os interesses de passageiros do metrô. “Mas a situação agora é crítica e o pedágio urbano é a única solução que pode pagar os reparos urgentes nos trilhos.”
Outro ponto, além dos trens em situação calamitosa, é que as ruas de Nova York estão cada vez mais abarrotadas de carros a serviço de aplicativos —ao contrário dos táxis amarelos, não há limite para o número deles— e caminhões de entrega, que vêm entupindo os bairros com a escalada das vendas on-line.
“O volume de ocupação das vias chegou ao limite”, diz David King, especialista em mobilidade da Universidade do Estado do Arizona. “Londres, que é uma cidade tão densa quanto Nova York, deveria servir de alerta para os nova-iorquinos. Não faz sentido não tentar liberar esses espaços já bem escassos.”
Mitchell Moss, um urbanista da Universidade de Nova York, também acredita que o pedágio urbano agora pode sair do papel porque alternativas serão ainda mais difíceis de aprovar, entre elas a imposição de um teto ao número de carros de aplicativos, uma questão que ele resume como a “revolução do Uber”.
Outros especialistas ainda defendem cobrar uma taxa sobre cada encomenda entregue na cidade, o que pode pôr a metrópole em pé de guerra com gigantes como a Amazon e serviços como FedEx e UPS.
Enquanto a temperatura desse debate aumenta, uma terceira via um tanto mais zen vem ganhando o respaldo de políticos mais progressistas.
Eles calculam que a legalização da maconha para usos recreativos em Nova York, a exemplo do que já fizeram outros sete Estados americanos, pode resolver todos os problemas do metrô, rendendo cerca de R$ 16 bilhões em cobrança de impostos ao ano, além de poder relaxar nova-iorquinos mais nervosinhos.
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