Rio retrocedeu sete anos em segurança antes de decreto de intervenção

Taxa de mortes violentas no Estado já supera a registrada em 2010

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Luiza Franco
Rio de Janeiro

 

Militares das Forças Armadas em operação no Complexo de São Carlos, no Rio de Janeiro
Militares das Forças Armadas em operação no Complexo de São Carlos, no Rio de Janeiro - Fabio Teixeira/Folhapress

 

Em 2010, o país assistiu pela televisão à ocupação cinematográfica do Complexo do Alemão, um símbolo da suposta pacificação dos morros do Rio. Sete anos mais tarde, o Estado tem uma taxa de mortes violentas que já supera a daquele ano.

O Rio não conseguiu sustentar a diminuição da criminalidade. Os números mostram que não é de hoje a tendência de recrudescimento da violência. A crise política e financeira por que passa o Rio a exacerbou, mas não é sua única causa, dizem especialistas. 

Nesse cenário, o presidente Michel Temer decidiu decretar intervenção na Segurança Pública do Rio de Janeiro —o documento foi assinado nesta sexta-feira (16).

Em 2017, a taxa de mortes violentas foi de 40 por 100 mil habitantes, o que significa que o Rio voltou no tempo, no que diz respeito à segurança, e estacionou entre 2009 (44,9) e 2010 (36,4).

O ano de 2018 parece ter começado pior ainda. Os números oficiais relativos a janeiro ainda não foram divulgados pelo governo, mas dados do aplicativo Fogo Cruzado, que mapeia de forma colaborativa a violência armada na região metropolitana, mostram que houve 688 tiroteios ou disparos de arma de fogo em janeiro deste ano, o maior número já registrado desde que a plataforma foi ao ar, em julho de 2016.

Houve um aumento de 117% desses registros em relação ao mesmo período de 2017. Em média, foram 22 por dia, mais do que a média de 2017, que foi de 16 por dia.

 

As cenas que o Rio viu no último ano são dignas da violência que havia na cidade anos 1990, mas em termos estatísticos, o Estado não está nesse nível ainda. A taxa de mortes violentas vê tendência de queda, ainda que com oscilações, de 1991 a 2005, quando começa a cair de forma ininterrupta até 2012. Em 2013, volta a subir, com uma pequena queda em 2015.

Para Ignacio Cano, do Laboratório da Análise de Violência, da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), políticas bem-sucedidas dos anos iniciais da gestão de José Mariano Beltrame (2007-2016) na segurança pública foram reproduzidas sem avaliações e correções de rumo.

Cita como exemplos as UPPs (hoje há 38: uma inaugurada em 2008, quatro em 2009, oito em 2010, cinco em 2011, dez em 2012, oito em 2013 e duas em 2014), o programa da PM que estabeleceu metas para a redução de mortes decorrentes de intervenções policiais e a criação das delegacias especializadas na investigação de homicídios.

"Sentaram em cima de bons resultados. Houve uma ideia ingênua de que basta implementar essas iniciativas para elas funcionarem. O impacto dessas medidas se esgota e outros fatores negativos acabam gerando o quadro que temos."

As UPPs, vitrine da política de segurança, ruíram —estudo da PM cita 13 confrontos em lugares com UPP em 2011, contra 1.555 em 2016—, mas elas não são a causa do descontrole, e sim um reflexo dele.

Para o coronel Ibis Pereira, que foi comandante interino da PM do Rio, as UPPs  foram mais um discurso do que uma política de fato. "A UPP nunca foi institucionalizada. Ficou no plano do discurso", diz ele. Ibis cita como exemplo o fato de o decreto que regulamenta o programa só ter sido publicado em 2015, sete anos depois de a criação da primeira unidade, em dezembro de 2008, na favela Dona Marta, em Botafogo, na zona sul.

Tudo isso, dizem especialistas, foi exacerbado pela crise política e de caixa por que passa o Rio. O Estado tem um ex-governador preso e o atual, Luiz Fernando Pezão (PMDB), que demonstra não ter controle da segurança.

 

CALAMIDADE

Desde junho de 2016, o Estado está em situação de calamidade pública. Entre os motivos estão as quedas drásticas da arrecadação, do preço do petróleo e dos investimentos da Petrobras. Além de precarizar serviços públicos, o buraco do orçamento deixa servidores com pagamentos atrasados e parcelados.

Não há recursos para contratar PMs aprovados em concurso. Faltam equipamentos como coletes e munição. Policiais trabalham com armamento obsoleto e sem gasolina nas viaturas.

Apenas em fevereiro deste ano o governo disse que quitaria dívidas do pagamento do Regime Adicional de Serviço, que permite que policiais militares e civis trabalhem na folga para as próprias polícias, complementando a falta de efetivo, e restantes do Programa Estadual de Integração na Segurança de polícias civis e militares. As gratificações referentes ao Sistema Integrado de Metas terão o pagamento feito em quatro parcelas, sempre no fim no mês, a partir de fevereiro.

Pereira diz que o problema da segurança no Rio tem suas cores locais, mas, para ele, o buraco é mais embaixo. "Isso tudo acontece porque o país não cumpre a constituição", diz.

Segundo o especialista, o documento determina que seja criado um sistema que integre todas as forças de segurança, de municipais a federais, o que nunca foi feito.

"Não tem sistema, como tem o SUS [Sistema Único de Saúde], por exemplo. Sem isso, não tem como funcionar nunca. Essa intervenção pode até reduzir alguns índices, mas provavelmente será um efeito de curtíssimo prazo".

 

 

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