Descrição de chapéu Alalaô carnaval

Salvador 'troca de roupa' e substitui abadás por fantasias no Carnaval

Camisas que valiam ingresso para foliões perdem espaço para pierrôs e unicórnios

Super-heróis no circuito Osmar-Campo Grande, no Carnaval de Salvador, no sábado (10)
Super-heróis no circuito Osmar-Campo Grande, no Carnaval de Salvador, no sábado (10) - Fábio Meneses - 10.fev.2018/ Agência Tempo
João Pedro Pitombo
Salvador

Pierrôs, unicórnios, bailarinas e piratas ganharam as ruas de Salvador neste Carnaval. A festa que teve nos abadás (camisas que valem como ingressos para os blocos) sua principal marca deu lugar à folia sem compromisso e com mais imaginação.

As fantasias ganham espaço no Carnaval de Salvador conforme caem as cordas que separa os foliões que pagam dos que não pagam ingresso.

O movimento ganhou força nos últimos anos, quando a crise econômica fez a maioria dos blocos descerem as cordas e desfilarem com seus trios elétricos custeados por patrocinadores ou apoio da prefeitura e governo do Estado. Ao todo, 186 trios desfilaram sem cordas neste ano.

Sem os abadás servindo como ingressos, as fantasias ganharam os principais circuitos da folia baiana. Nesta terça-feira (13), o estudante Elton dos Santos, 16, ganhou a avenida fantasiado de diabo. Foi acompanhado de sua amiga Raíra Sabatino, 20, vestida de bailarina:" Com a fantasia, o Carnaval fica mais divertido, descontraído", disse ele.

Um dos precursores do retorno da fantasia à folia em Salvador foi o bloco "Os Mascarados", que no próximo ano chega ao seu 20º Carnaval. Desde seu primeiro ano, o bloco não cobra ingresso e incentiva seus associados a saírem fantasiados.

Neste ano, o bloco foi acompanhado por cerca de 15 mil foliões na quinta (8). Mas viu fantasiados se espalharem por outros trios elétricos que desfilaram sem corda. "Estamos vendo o fim da ditadura dos abadás. Ficamos felizes termos sido os primeiros a trazer de volta esta questão lúcida da fantasia", diz Paula Rezende, diretora do bloco.

A foliã  Caroline Rodrigues, 30, costumava desfilar fantasiada em "Os Mascarados" nos últimos Carnavais. Há dois anos, porém, tem usado fantasia nos demais dias da festa. Nesta terça, foi ao Campo Grande com um grupo de amigos fantasiada de sushi.

Tradicional roupa dos blocos nas últimas duas décadas, os abadás surgiram no Carnaval de 1993 em Salvador e fizeram sua estreia no Bloco Eva, na época comandado pela banda Asa de Águia.

Seu criador foi o designer Pedrinho da Rocha, que buscou diminuir as mortalhas (espécie de túnica usada pelos foliões) e transformar numa roupa mais confortável.

À Folha, Pedrinho da Rocha diz achar "ótimo" as fantasias voltarem.

A palavra abadá quer dizer camisa, em Iorubá. Originalmente, a vestimenta foi trazia para o Brasil pelos malês e eram usadas pelos negros muçulmanos para fazer orações. Anos depois, passou a batizar as roupas usadas para praticar capoeira.

ABADÁS SEM BLOCO

Se por um lado surgem hordas de fantasiados nas ruas de Salvador, por outro os abadás sobrevivem como uma espécie de símbolo dos antigos Carnavais e como forma de juntar fãs de alguns artistas.

Mesmo desfilando em trios elétricos sem corda, foliões acompanharam artistas como Anitta, Claudia Leite e o cantor Denny Denan, ex-vocalista da Timbalada, com abadás feitos sob medida para desfilar na pipoca.

Por trás de alguns dos "abadás sem bloco" está o produtor cultural Elisvaldo Marveneck, 19, que há dois anos fabrica camisas a pedido de fã-clubes: "É uma forma de o abadá sobreviver. Acho que ele ainda vai ter o seu espaço garantido no Carnaval".

Este ano, ele criou abadás para fãs de Anitta, Daniela Mercury, Leo Santana e até da BaianaSystem, que sempre desfilou sem cordas. Vendeu cada camisa por R$ 20.

Também há distribuição de abadás organizados pelos antigos blocos, caso do Cheiro de Amor. Em seu segundo ano desfilando apenas sem cordas, a Banda Cheiro de Amor cruzou o circuito Barra-Ondina na sexta (9) com o projeto "pipoca híbrida".

Distribuiu abadás com a marca "pipoca do Cheiro" e incentivou os antigos associados do bloco a irem para as ruas usando abadás de outros Carnavais. A iniciativa foi um sucesso: teve folião que tirou do guarda-roupa vestimentas de 30 anos atrás e foi para a rua vestido uma mortalha do bloco Cheiro dos anos 1980.

Nesta terça-feira (13), um grupo de dez amigos acompanhou o desfile sem cordas de Saulo Fernandes no circuito do Campo Grande vestido com mortalhas formando o bloquinho "Baiuno". A ideia foi do estudante João Felipe Santana, 20: "Tentamos ficar o mais parecido possível com Saulo", diz ele sobre o cantor baiano, que costuma se apresentar vestindo batas.


ROUPA POUCO IMPORTA

Em 1993, o designer Pedrinho da Rocha criou a roupa para participar do Carnaval que ficou conhecida como abadá.

Hoje, 25 anos depois, ele afirmou à reportagem que "acha ótimo" que as fantasias voltem a ocupar o lugar deixado pelas roupas dos blocos carnavalescos.

Folha - Como vê o retorno das fantasias no Carnaval de Salvador?

Pedrinho da Rocha - Acho ótimo. Carnaval, na minha cabeça, é isso aí. Eu vim dessa tradição, morava no centro [de Salvador]. A gente botava blocos com dez, 15 pessoas nas ruas e saíamos vestidos com sacos de aniagem, usados para carregar feijão.

Acha que os abadás padronizaram os foliões?

Sempre achei que a fantasia tinha que ser individual. Tanto que há cerca de 15 anos tentamos fazer isso no Bloco Cheiro, criamos um tema para cada dia de desfile e tentamos fazer com que os abadás virassem fantasias.

Acho que a fantasia, no sentido literal e no não literal, é muito importante para o Carnaval.

O abadá caminha para o seu fim ou vai sobreviver?

Acho que [o abadá sobreviver] é o que menos importa. Nunca tive essa preocupação. O mais importante é que, seja onde e como

ele for, o Carnaval seja uma expressão cultural nossa. Um momento em que as pessoas saem da realidade pra entrar na fantasia.

A roupa é o que menos importa. Tudo vale.

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