Vereadores de São Paulo gastam verba com troféus e site desatualizado

Uma parlamentar usou R$ 65 mil para manter site, mas página está há seis meses sem novos textos

Artur Rodrigues
São Paulo

Apesar do direito de contratar 18 funcionários em seu gabinete, a vereadora paulistana Noemi Nonato (PR) pagou R$ 65 mil em 2017 para manter um site com informações de seu mandato. No início deste ano, porém, a última notícia publicada na página era de 23 de agosto.

Cantora gospel, Noemi é a vereadora de São Paulo que mais gasta com a chamada verba de gabinete. A Câmara tem um limite de R$ 283 mil ao ano para que os vereadores gastem com correios, aluguel de carros, serviços gráficos e manutenção de páginas na internet, entre outros.

A vereadora Noemi chegou a R$ 270 mil, abaixo do teto, mas bem acima da média da Casa, de R$ 172 mil.

No ano passado, os 55 gabinetes gastaram um total de R$ 9,4 milhões. O valor equivale a oito vezes o dinheiro usado por toda a Secretaria Municipal de Igualdade Social (R$ 1,2 milhão) e mais do que a da Pessoa com Deficiência (R$ 6,3 milhões), ambas pastas sacrificadas por cortes na Prefeitura de São Paulo em um ano de crise.

A vereadora Noemi Nonato (PR) é a que mais gasta com verba de gabinete
A vereadora Noemi Nonato (PR) é a que mais gasta com verba de gabinete - André Bueno/CMSP

Levantamento feito pela Folha mostra que boa parte da verba de gabinete, de um jeito ou de outro, acaba em autodivulgação para os vereadores. Dos 10 maiores fornecedores da Casa, cinco são gráficas e uma é uma empresa de marketing político.

Comparando os gastos, os valores declarados para um mesmo tipo serviço pode variar muito, assim como a qualidade. A vereadora Noemi Nonato, por exemplo, paga mais caro que vários colegas para manter seu site.

Questionada, a empresa responsável pela atualização da página dela, a Klass Marketing, afirmou à Folha que a seção de notícias não tem novos textos há quase seis meses porque, no período, não teve nada de importante. Nesse intervalo, por exemplo, a vereadora apresentou dois projetos de lei.

A dona da Klass, Viviane Resende, diz também prestar serviços relacionados a marketing político e atualização das redes sociais de Noemi, embora não constem na prestação de contas oficial.

A mesma empresa foi cadastrada na internet como responsável pelo site artístico da cantora gospel, em fase de construção.

ranking

Também do PR, Toninho Paiva, pagou bem menos, R$ 17 mil, para manter seu site, cujas informações estão em dia. Mas, no ranking geral de gastos, ele chegou bem perto da colega de partido, atingindo R$ 265 mil.

Vereador veterano da Câmara, ele concentra seus gastos no envio de informativos do mandato só em correios foram R$ 61 mil. "Tenho um cadastro de 86 mil endereços", diz ele, dono de 35.219 votos em 2016.

Entre R$ 27 mil gastos com gráficas, Paiva inclui a compra de troféus e medalhas para homenageados por seu gabinete. Em novembro, apenas um desses troféus, tamanho grande, custou R$ 380.

Entre as homenagens prestadas por Paiva estão a do Dia do Judô e Dia da Cultura Luso-Brasileira.

Ricardo Nunes (MDB), terceiro da lista de gastos, justifica o montante com a afirmação de que a intensa atuação parlamentar pode acarretar em custos. Por exemplo, os R$ 85 mil gastos em gráficas se devem ao envio convites para audiências públicas.

Os vereadores possuem verba de R$ 164 mil mensais para gastar com até 18 funcionários. Mesmo assim, utilizam a verba de gabinete para mais contratações, que vão de assessoria de imprensa a escritórios de advocacia.

Noemi, por exemplo, gastou R$ 78 mil com assessoria jurídica para elaboração de leis, e Paiva, R$ 36 mil.

Como os vereadores têm liberdade para escolher os fornecedores, é comum que haja empresas de aliados políticos e filiados na prestação de contas. Na hora de escolher assessoria jurídica, por exemplo, Juliana Cardoso (PT), a quarta com mais gastos, contratou o escritório do ex-vereador pelo PT Ítalo Cardoso, por R$ 14 mil.

A Câmara trocou 40% de seus integrantes em 2017. Na comparação com 2016, quando o gasto de verba de gabinete foi de R$ 10,4 milhões, a nova legislatura utilizou 9,6% menos recursos.

O atual modelo de verba de gabinete data de 2007, quando o presidente da Casa era Antonio Carlos Rodrigues, cacique do PR e ex-ministro dos Transportes, que chegou a ser preso por suspeita arrecadação de propinas para campanha eleitoral. Antes disso, os parlamentares tinham menos autonomia na escolha dos fornecedores, já que eles tinham uma cota de serviços serviços prestados na própria Câmara.

Contrário a este tipo de verba, o vereador Celso Jatene (PR) não gastou nenhum real do tinha direito em 2017.

"Eu acho que tem um excesso de estrutura, diz ele, que usa o próprio carro e telefone celular. Para que contratar assessoria jurídica e comunicação com verba de custeio se você pode empregar até 18 funcionários?"

Jatene diz que a economia nunca afetou a produtividade ou a questão eleitoral, já que ficou entre os 10 mais votados nas últimas eleições.

Janaína​ Lima (Novo) faz da economia uma bandeira. "A gente criou uma estrutura enxuta e com foco. É possível fazer mais com menos."

OUTRO LADO

Os vereadores paulistanos que ocupam o topo do ranking de gastos com verbas de gabinete dizem que respeitaram o teto e seguiram a lei.

Noemi Nonato (PR) afirmou, em nota, que utilizou os recursos de gabinete "dentro dos preceitos estabelecidos na legislação municipal pertinente ao tema, bem como ainda atendeu também a todas as regulamentações internas estabelecidas e editadas pela Mesa Diretora da Câmara".

A dona da empresa que mantém o site da vereadora disse que a desatualização da seção noticiosa era exceção e argumentou que a relação de leis de autoria de Nonato constantes no endereço estava em dia. A página, porém, direciona o internauta para outro site, que contabiliza a verba de todos os parlamentares atualizado por um voluntário sem ligação com Noemi.

O vereador Toninho Paiva (PR) também afirmou trabalhar com "seriedade e transparência" e que nunca ultrapassou o limite. "Minha prerrogativa como legislador é fazer uso dos instrumentos que a Câmara me dá para poder dar ciência aos eleitores, do trabalho que faço para atender as demandas."

O vereador Ricardo Nunes (MDB) disse ter participado de diversas atividades, como a relatoria da Lei de Diretrizes Orçamentárias e do Orçamento, dentre outras. Acrescentou que, para reduzir custos, não utiliza carro da Câmara.

Já Juliana Cardoso (PT) afirmou não se pautar por "única temática", e que atua em várias frentes (da saúde a defesa dos direitos das crianças e dos adolescentes). "É um mandato popular de formação e informação que produz muitos materiais territoriais e temáticos", afirma.

Sobre o escritório de advocacia que contratou, ela diz que Ítalo Cardoso tem experiência parlamentar e possui assessoria jurídica especializada. Em nota, complementou que o ex-vereador não pertence mais ao PT e que se filiou em outro partido.

A reportagem enviou e-mail para o contato que consta da nota fiscal de Cardoso, mas não obteve resposta. No suposto telefone de seu escritório, ninguém atendeu.

Já Dalton Silvano (DEM) diz que os tipos de gastos variam de acordo com o vereador. "Este vereador tem trabalho e eleitores na cidade inteira. Portanto, acredita que a divulgação e transparência são formas de prestação de serviços que a sociedade exige."

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