Da Maré, vereadora fazia parte do 'bonde de intelectuais da favela'

Marielle Franco começou a militar por direitos humanos depois que perdeu amiga em tiroteio 

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Caixão com corpo de Marielle Franco chega à Câmara Municipal do Rio

Caixão com corpo de Marielle Franco chega à Câmara Municipal do Rio Ricardo Borges/Folhapress

Marco Aurélio Canônico
Rio de Janeiro

“Sou mulher, negra, mãe e cria da favela da Maré.” A frase de apresentação em seu site oficial mostra como Marielle Franco, vereadora carioca assassinada na noite desta quarta (14), aos 38 anos, gostava de ser reconhecida.

Marielle Francisco da Silva nasceu em 27 de julho de 1979, no Complexo da Maré, zona norte do Rio. Filha de Marinete e Antonio Francisco da Silva Neto, foi criada no catolicismo —fez catequese por mais de uma década, na Paróquia Nossa Senhora dos Navegantes, em Bonsucesso.

Era flamenguista e funkeira com gosto, frequentando bailes e tornando-se dançarina da equipe Furacão 2000. Motivada pelos pais a estudar desde cedo, assim como sua irmã caçula, Anielle, teve inicialmente “a educação que foi possível”. 

Começou a trabalhar aos 11 anos, para pagar sua escola, foi educadora numa creche na Maré e aluna da primeira turma de pré-vestibular comunitário do complexo, aos 19 anos, em 1998.

No mesmo ano, deu à luz sua filha, Luyara, fruto de um relacionamento temporário. Hoje, a menina com nome de deusa indígena tem 19 anos e é caloura de educação física na Uerj.

Marielle iniciou sua militância em direitos humanos em 2000, após a morte de uma amiga, vítima de bala perdida em tiroteio entre policiais e traficantes na Maré.

Tornou-se parte do que chamava de “bonde de intelectuais da favela”, uma geração que fez pré-vestibular comunitário e conseguiu acesso a boas faculdades —a dela, ciências sociais, na PUC Rio, onde entrou com bolsa integral em 2002.

Com os estudos e dois empregos para sustentar a filha, não participou do movimento estudantil na faculdade, mas nunca se desligou da militância pró-comunidades. Em 2006, integrou na Maré a equipe de campanha que ajudou a eleger Marcelo Freixo (PSOL) à Assembleia Legislativa do Rio. “Ela tinha uma liderança nata, era aquele menina que tinha iniciativa, rodava muito pelas regiões periféricas, no movimento negro e de mulheres”, diz Vinicius George, que também fez parte da campanha.

O deputado se tornaria seu padrinho político, nomeando-a assessora parlamentar e, posteriormente, coordenadora da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania da Alerj. Em linha com a atuação política do PSOL, Marielle entrou, em 2012, no mestrado em administração pública na UFF (Universidade Federal Fluminense).

Sua dissertação (“UPP: A Redução da Favela a Três Letras”) analisava criticamente a política de segurança pública do governo de Sérgio Cabral. Ela defendia que as UPPs fortaleciam “um Estado Penal que, pelo discurso da ‘insegurança social’, aplica uma política voltada para repressão e controle dos pobres”.

Sua candidatura a vereadora, na eleição de 2016, demandou convencimento por parte de seus colegas do PSOLela resistia à ideia de concorrer. Fez uma campanha calcada na tríade gênero, raça e cidade, com o lema “eu sou porque nós somos” —referindo-se a mulheres, negras, de favela, como ela.

Esperava ter cerca de 6.500 votos, mas acabou escolhida por 46.502 eleitores, a quinta maior votação para o cargo. As zonas eleitorais em que teve melhor desempenho ficam no Catete, Jardim Botânico (ambos na zona sul) e na Tijuca (zona norte).

“Fiquei muito feliz com essa votação expressiva porque acho que é uma resposta da cidade nas urnas para o que querem nos tirar, que é o debate das mulheres, da negritude e das favelas”, disse, à época.

Em seus pouco mais de 13 meses de mandato, apresentou 13 projetos —entre eles, um contra o assédio às mulheres em transportes públicos, um pelo atendimento humanizado nos casos de aborto legal e um para a criação de um horário noturno em creches municipais, tendo em mente pais pobres que estudam ou trabalham à noite, sem ter com quem deixar os filhos. Era também relatora da comissão da Câmara Municipal que fiscalizará a intervenção militar no Rio.

Marielle era ainda presidente da Comissão de Defesa da Mulher e defensora dos direitos LGBTQ —há alguns anos, começou um relacionamento com Mônica, a quem classificava como “minha companheira de vida e de amor, a primeira mulher que beijei”.

Morreu atuando em prol das causas de sua vida —horas antes de ser assassinada, aos 38 anos, participou de uma roda de conversa intitulada “Jovens Negras Movendo Estruturas”. Dias antes, reproduziu denúncia de moradores sobre a ação violenta da PM no subúrbio de Acari.

Tinha orgulho de suas origens, de sua cor e de sua luta. Como escreveu em sua dissertação de mestrado, “favelada, para subir na vida, além de pegar o elevador, tem que se esforçar muito.”

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