Pela vida de Heinrich Plagge passa a história do século 20. Foi para a Alemanha recém-nascido, meses antes de estourar a Segunda Guerra. Viveu sob o nazismo durante o conflito. Voltou ao Brasil e casou-se no ano do golpe militar. O pior ainda estava por vir.
Fluente em alemão, Heinrich conseguiu emprego na Volkswagen, no ABC paulista, onde cresceu rápido.
Na época, conheceu Neide, então estudante de história na PUC, com uma visão política e dos eventos da guerra oposta à sua. Aos poucos, Heinrich desconstruiu o ideário nazista em que acreditava. Decidiu entrar para o Partido Comunista, onde tinha o codinome “Conrado”.
Após o golpe, usou sua posição na fábrica —ele não passava por revistas— para distribuir material do Partidão. Recebe uma ligação de seus superiores perguntando quem é Conrado, do setor dele. Nega conhecê-lo, e combina com Neide, já sua mulher e mãe de três filhos: caso ele não aparecesse, tinha sido preso.
Dito e feito. “Naquela noite comecei a ser torturado. À base de paulada. Máquina de choque. Pancada mesmo. Chute”, disse Heinrich, em entrevista recente para a Istoé Dinheiro.
Os cerca de dois anos que passou nessas condições deixaram para o resto da vida a surdez graças aos “telefones”, joelhos que nunca mais foram os mesmos graças ao pau de arara, gritos durante o sono, o desenvolvimento de um mal de Parkinson e a garantia de nunca mais conseguir empregos formais.
Pelo resto da vida, trabalhou por conta comprando e vendendo alho ou morangos. Apesar disso, mantinha o bom humor —"Oi, tudo bem? Veio a pé ou veio de trem?", rimava— e a perseverança. Não era de desistir fácil. Se acreditava em algo, ia atrás mesmo que lhe custasse caro.
Morreu no dia 6, aos 79. Deixa a mulher, Neide, os filhos Hans (em memória), Paul, Valéria e Vanessa, e cinco netos.
Em agosto, já debilitado, com certo grau de demência, teve o último momento de plena lucidez. Em depoimento ao MPF, detalhou tudo o que passou. “Foi uma catarse”, diz uma das filhas. Em dezembro, a Volkswagen admitiu ter colaborado com o governo militar.
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