Descrição de chapéu drogas

'Pai de rua' é investigado sob suspeita de abuso sexual de adolescentes

Homem de 52 anos ajuda jovens em situação de rua no centro de SP

Homero Barbosa, 52, de branco, conversa com jovens na região do Vale do Anhangabaú
Homero Barbosa, 52, de branco, conversa com jovens na região do Vale do Anhangabaú - Jardiel Carvalho/Folhapress
Mariana Zylberkan
São Paulo

No fim de novembro passado, Homero Barbosa, 52, pedia ajuda. Ele havia sido chamado a depor sobre a morte de Kauan, menino que vivia na região da Sé e sofrera uma overdose de lança-perfume no marco zero de São Paulo.

Homero seria ouvido como testemunha do caso e não queria ir sem um advogado.

“Uma menina me chamou e, assim que o vi caindo, parei um carro no meio da rua e pedi socorro, porque vi que não ia dar tempo de a polícia chegar. Ele teve uma parada cardíaca no hospital e não resistiu”, conta o homem, que se apresenta como educador social, mas não tem vínculo com nenhuma instituição ou com o poder público e que, na prática, atua como voluntário. 

Kauan era um dos cerca de 150 meninos de rua que “tio Homero”, como é conhecido, diz cuidar. Basta ele aparecer na esquina da rua Anchieta, em frente ao Pateo do Collegio, para ser rodeado por meninos e meninas sem-teto.

“Agendo horário no Poupatempo para segunda via de RG, levo para tomar vacina e os coloco no metrô de volta para casa quando os pais me procuram”, diz Homero.

Tamanha proximidade despertou atenção do Ministério Público em agosto de 2016, em investigação deflagrada após denúncia anônima registrada por telefone.

A mensagem dizia que as crianças do sexo masculino, de 10 a 17 anos, eram exploradas sexualmente todos os dia na casa dele, na Baixada do Glicério, entre 15h e 19h.

Segundo o registro, em troca das “visitas”, ele oferecia comida, banho, jogos de videogame, thinner [solvente usado como entorpecente] e maconha. “Há relatos de jovens que pedem para ir para abrigos só para não dormir com ele”, diz trecho da denúncia.

Homero com crachá e a pasta com documentos dos jovens
Homero com crachá e a pasta com documentos dos jovens - Jardiel Carvalho/Folhapress

Há também um inquérito aberto na delegacia especializada em repressão à pedofilia no DHPP (Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa). Homero nega. “Isso é mentira. Não ajudo só crianças, e as pessoas não podem me ver perto delas que já inventam coisas”, afirma.

No inquérito, consta ficha criminal de Homero que inclui, ao longo de 36 anos, registros de roubo, tráfico de drogas, lesão corporal e abuso sexual de menor, entre outros crimes. Ele foi condenado por ao menos cinco crimes e cumpriu pena de 1991 a 1998.

Ele está desde o ano passado em liberdade provisória por ter sido preso em flagrante com 14 pedras de crack no Vale do Anhangabaú.

A presença de Homero no centro é tão institucionalizada que ONGs e igrejas o procuram para organizar eventos e doações na região. A gestão do prefeito João Doria (PSDB) chegou a cogitar contratá-lo para gerir um centro de acolhimento de sem-teto, mas desistiu diante das denúncias.

Sobre os registros na polícia, Homero diz serem da época em que era viciado em drogas, hoje superada. “Tive muita ajuda quando morava nas ruas e agora quero retribuir ajudando esses meninos. Se deixá-los sozinhos, morrem ou apanham da polícia”, diz.

PASTA

Sua presença no centro, porém, não dá muitas pistas sobre seu passado. É comum vê-lo andando entre o Vale do Anhangabaú e a estação Ana Rosa do metrô com um crachá pendurado no pescoço e uma pasta preta debaixo do braço. É onde ele guarda por volta de 250 cópias de RGs dos meninos que ele acompanha. As segundas vias foram retiradas por ele no Poupatempo da Sé, onde ele diz bater ponto diariamente.

Foi com a ajuda desse acervo que ele localizou a família de Kauan. “Não ia deixar enterrar o menino sem a família saber. Tem muito pai procurando filho nas ruas.”

Um morador de rua hoje com 32 anos e que não quis se identificar conta ter sido abusado por Homero quando tinha 16 anos. Ele morava nas ruas de Sorocaba, no interior paulista, assim como Homero, no entorno da rodoviária da cidade.

Viciado em drogas, ele diz que aceitou manter relações sexuais em troca de R$ 10. Homero nega essas acusações.

Um adolescente de 14 anos que também denunciou abusos deve ser ouvido pela Promotoria e pela polícia.

Homero chegou a São Paulo há cerca de dez anos após passar a adolescência nas ruas de Sorocaba. Antes de se mudar, trabalhou por anos na ONG Lua Nova como educador social. “Era sua fiadora e brigamos depois que ele deixou de pagar os aluguéis. Fazíamos trabalho de redução de danos”, diz a fundadora, Raquel Barros. 

AUTORIDADE

A influência de Homero sobre os jovens que vivem nas ruas motivou o Movimento da Infância e da Adolescência da Região Central da Cidade de São Paulo a protocolar uma carta aberta ao Ministério Público e à prefeitura denunciando indícios de “abuso, exploração sexual e aliciamento de crianças e adolescentes em situação de rua”.

Profissionais que atuam na proteção dessa população dizem ter sido ameaçados de morte ao questioná-lo.

A Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social afirmou que acionou o Conselho Tutelar, a polícia e o Ministério Público sobre a conduta de Homero e que tem auxiliado os órgãos nas investigações das denúncias.

Comerciantes da rua Formosa, ao lado do Anhangabaú, chegam a recorrer à autoridade de Homero quando os meninos incomodam os clientes por esmolas. Muitos relatam que basta ameaçar chamá-lo para eles se afastarem. Recentemente, um grupo apedrejou uma base da GCM durante distribuição de comida, e o tumulto só foi contido quando ele chegou.

Para o promotor Eduardo Dias, da Promotoria de Interesses Difusos de Crianças e Adolescentes, que coordena as investigações, a forte presença de uma pessoa como ele, sem nenhum vínculo com o poder público, denota a falta de diretriz para lidar com os meninos em situação  de rua. “Parece lenda urbana, mas é real”, diz. 

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