Bruno Covas terá que reatar relações políticas e driblar caixa incerto

Desafios incluem concessões e zeladoria que não deslancharam com João Doria

Com luvas verdes de borracha, Bruno Covas faz manutenção em um poste de luz
No 1º dia como prefeito, Bruno Covas participa de mutirão em Cidade Tiradentes, na zona leste - Secom/Divulgação
São Paulo

Durante um dos eventos públicos dos últimos dias de João Doria (PSDB) como prefeito de São Paulo, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso desejou boa sorte a Bruno Covas (PSDB), que herdou o cargo nesta sexta (6).

O neto do ex-governador Mário Covas agradeceu discretamente, ao seu estilo, e emendou: “eu vou precisar”.

Com 38 anos, na condição de prefeito mais jovem a comandar a capital paulista desde a redemocratização, ele terá mil dias para cumprir as 118 promessas que o antecessor fez na campanha.

Além das restrições financeiras, a missão terá que ser enfrentada em um cenário com prováveis turbulências após a saída de Doria para disputar a eleição ao governo.

Bruno Covas assumiu sob a pressão de tirar do papel duas promessas de campanha que ainda não deslancharam: a conclusão de projetos de desestatização e a melhoria da zeladoria nas ruas da cidade.

Terá como desafio também resolver farpas herdadas de Doria nas relações com vereadores e conselheiros do TCM (Tribunal de Contas do Município) —que podem atravancar projetos do Executivo.

E estará sob ameaça iminente de desgaste devido aos planos de reforma da previdência e da licitação bilionária do sistema de ônibus.

 

No primeiro caso, a pressão de servidores já conseguiu levar a um adiamento por quatro meses da proposta apresentada por Doria —que previa aumento da contribuição dos funcionários sob a justificativa de conter um déficit atual de R$ 4,7 bilhões.

No segundo caso, os maiores enfrentamentos são previstos a partir das próximas semanas, diante do lançamento do edital para a concessão dos serviços de ônibus por até 20 anos, num montante estimado em R$ 66 bilhões.

O novo sistema de transporte prevê queda de 7% da frota e alta de 4% das baldeações, embora a gestão tucana prometa maior rapidez.

O sindicato dos condutores  de ônibus já fala em medidas “drásticas” —na prática, greves, que afetam milhões de passageiros— por avaliar que pode haver demissões com a redução de veículos e extinção da função dos cobradores.

A rotina dos usuários também será bastante afetada a partir de 2019, com potencial de transtornos, já que pelo menos uma a cada quatro linhas passará por mudanças.

PROGRAMAS E OBRAS 

Enquanto não entrar no caixa o dinheiro das privatizações de equipamentos públicos, Bruno Covas terá de fazer malabarismo para tocar promessas e programas de Doria.

O principal é o Asfalto Novo, que vai custar R$ 550 milhões —mais do que o investimento previsto para as áreas de saúde (R$ 545 milhões) ou educação (R$ 168 milhões).

No último ano, a prefeitura conseguiu investir só R$ 1,9 bilhão. A previsão oficial para este ano é de R$ 5,5 bilhões, mas, por depender de repasses federais, dificilmente esse número se concretizará.

Covas assume que terá de priorizar os gastos, e isso inclui conviver com esqueletos de obras paradas desde a gestão Fernando Haddad (PT). As maiores estruturas são os CEUs, que requerem R$ 500 milhões para ficar prontas.

A relação com vereadores da base ficou desgastada após Doria definir a reforma da previdência como prioridade antes de deixar o cargo.

O tucano fez intensa pressão sobre os vereadores, que se aborreceram ao virarem alvo de protestos de servidores.

Funcionários públicos fizeram greve e manifestações com milhares de pessoas em frente à Câmara Municipal até o congelamento do projeto.

Sem a reforma, Covas fala em cortar gastos do Executivo. E terá que costurar as relações com o Legislativo para conseguir a aprovação de projetos de desestatizações, a partir dos quais espera levantar recursos para investimentos.

Doria frustrou-se ao não entregar nenhuma privatização ou concessão antes do fim de sua passagem. 
As vendas do autódromo de Interlagos e do complexo do Anhembi seguem travadas na Câmara e precisarão de votações com maioria qualificada (37 dos 55 vereadores). Já a concessão dos cemitérios aguarda há seis meses a liberação do Tribunal de Contas.

Covas também terá que aparar as arestas no contato com os conselheiros do TCM, com os quais Doria se desentendeu. O novo prefeito tem mostrado que deseja ter boa relação: disse à Folha que o TCM faz “bom trabalho” e afirma ser contra o movimento por sua extinção.

A prefeitura já publicou editais de concessão do mercado de Santo Amaro, do primeiro lote de parques e do Pacaembu. Nesse aspecto, Covas sai em desvantagem em relação a Doria, cuja imagem e contatos no mundo empresarial eram vistos como chamarizes para investidores.

Em três meses, Doria empenhou 63% da verba anual para publicidade —R$ 66 milhões de R$ 105 milhões orçados. Sendo assim, Covas terá poucos recursos para isso.

O novo prefeito diz que deve promover encontros “com empresários mostrando que, apesar da mudança, o compromisso continua o mesmo.”

“Ele precisará abrir diálogo com diferentes segmentos para além do setor empresarial, além de recuperar uma relação de confiança com a Câmara”, afirma Marco Antonio Teixeira, professor de gestão pública da FGV-SP.

Cientista político e professor do Insper, Carlos Melo afirma que o perfil mais discreto de Covas pode ajudar.

“Doria foi uma overdose. De exposição, de conflito. Um prefeito que busque uma marca real de gestão, sem ser midiático, pode ter vantagem.”

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