Descrição de chapéu trânsito

Instável, Mogi-Bertioga vive roleta-russa diária de deslizamentos de terra

Rota estratégica para praias do litoral de SP tem sucessão de quedas de barreira

Trecho onde houve queda de barreira na altura do km 89 da rodovia Mogi-Bertioga
Trecho onde houve queda de barreira na altura do km 89 da rodovia Mogi-Bertioga - Gabriel Cabral - 12.abr.2018/Folhapress
Mariana Zylberkan
São Paulo

​​Rota estratégica para praias do litoral norte e sul de São Paulo, a Mogi-Bertioga permanecerá interditada pelo menos até segunda-feira (16) devido à sucessão de quedas de barreira que expuseram a instabilidade da rodovia e a insegurança de motoristas.

Num período de dois meses, a estrada completará 17 dias de bloqueio ao tráfego, após quatro episódios de deslizamentos de barrancos que só não deixaram vítimas por terem ocorrido em momentos de baixo movimento.

Na madrugada de quarta (11), uma pedra de 200 toneladas rolou pelo morro e ficou no meio da pista, na altura do km 89, no trecho de serra.

Mais do que a retirada da rocha, que precisará ser dinamitada, a liberação da estrada aos veículos nos próximos dias esbarra na incerteza de técnicos do próprio governo de São Paulo sobre os pontos de risco —cenário que pode tornar a rodovia uma roleta-russa para seus usuários.

Deni Loretti, diretor técnico do DER (Departamento de Estradas de Rodagem), atribui as recentes quedas de barreira ao volume de chuvas, mas reconhece a dificuldade de evitar que elas se repitam.

“A água vai se acumulando em caminhos alternativos, não previstos no projeto de implantação. Neste ano, registramos sete novos pontos de acúmulo de água. É difícil prever onde vão ter novos deslizamentos. A força da corredeira provoca instabilidade.”

Nesta quinta (12), ainda havia pedras sob risco de se desprenderem do barranco. Funcionários da Defesa Civil, geólogos e bombeiros estiveram no local, mas nova avaliação será feita na segunda para apontar se há alguma possibilidade de reabrir a rodovia.

De um lado, há a pressão de usuários de uma pista que recebe 40 mil veículos diariamente —sendo rota frequente para destinos como Bertioga, São Sebastião e Guarujá.

Sem ela, a sugestão do governo paulista é que os motoristas utilizem as rodovias dos Tamoios e Oswaldo Cruz (para acesso ao litoral norte) e Anchieta e Imigrantes (ao sul).

De outro lado, caso decida pela reabertura, até que ponto a gestão do governador Márcio França (PSB), que assumiu neste mês a vaga de Geraldo Alckmin (PSDB), poderá afiançar aos motoristas que eles não serão atingidos por rochas gigantes?

 

PROBLEMA CRÍTICO

Por estar em uma região de serra, a Mogi-Bertioga tem praticamente metade de sua extensão sobre solo irregular, formado por pedras misturadas a partes arenosas.

O clima do lugar também ajuda a acelerar a deterioração dessas rochas enormes que formam a encosta até chegar ao nível do mar. O ambiente é serpenteado por rios e cachoeiras, além da amplitude térmica: calor de dia e frio e neblina à noite. 

O km 89 da Mogi-Bertioga chegou a ficar interditado por 30 dias dez anos atrás.

O DER afirma que, para tentar evitar novos deslizamentos, houve a construção de um muro de contenção no local, e outras seis obras semelhantes foram feitas na via ao longo da última década.

Com a queda de barreira desta quarta, restou só metade do muro de 50 metros.

O geólogo Silvio Pomaro avalia que a rodovia não recebeu ações para previsão do comportamento do solo nos últimos anos. “É um problema crônico que agora está crítico. As obras de contenção feitas foram um paliativo, não resolvem de fato.” 

O departamento estadual diz que, em março, foi iniciada a construção de muros de contenção em mais três pontos, após a primeira interdição do ano por causa de deslizamentos, em fevereiro. A expectativa é que os muros fiquem prontos em até seis meses.

O órgão também afirmou que iniciou contrato neste mês, estimado em R$ 2,8 milhões, para obter um novo estudo global das estradas que cortam serras no estado, incluindo a Mogi-Bertioga.

“Isso poderá trazer algumas soluções novas”, afirma Loretti, diretor do DER.

Uma das soluções apontadas pelo geólogo Pomaro para evitar a repetição de deslizamentos é rebaixar partes do trecho de serra para ter maior controle do escoamento das águas. “Hoje as águas correm de forma aleatória.”

'NÃO É BISCOITO'

Inaugurada em 1982 pela Prefeitura de Mogi das Cruzes, a Mogi-Bertioga teve a administração transferida ao estado no mesmo ano.

O engenheiro Jamil Hallage, 92, lembra do diálogo que teve com Waldemar Costa Filho, então prefeito de Mogi, ao ser convidado para ser secretário de obras do município e construir a rodovia.

“Disse para ele: ‘Não é biscoito atravessar a Serra do Mar’. Sabia que era uma estrada instável, pouco confiável. Mas ele quis ir adiante.”

Na época, moradores de Mogi demoravam até 12 horas para chegar no litoral, apesar de estarem a 50 km de distância de Bertioga. “Alguns até desciam a pé”, diz.

Hallage diz que a prefeitura não tinha verba para fazer túneis por dentro das rochas, como a rodovia dos Imigrantes. “Por isso, contornamos o morro, era o único jeito.”

'NINGUÉM POR AQUI'

O comerciante Donizete dos Santos, 43, lamentava a falta de movimento na lanchonete que sua família administra há mais de três décadas no km 77 da rodovia.

Na tarde desta quinta, quando geralmente começa a aumentar a movimentação de motoristas em direção ao litoral, ele ainda não havia atendido nenhum cliente, apenas moradores da região.

“Paramos de fazer almoço porque a comida estraga. Não passa ninguém por aqui”, diz. A lanchonete fica no bloqueio do DER para evitar a aproximação de motoristas do local do deslizamento, a 10 km.

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